O Espírito do Batista!
Mons. José Maria Pereira
Advento! Tempo de se preparar para acolher o Senhor que vem! Por
mais escuro que esteja o horizonte à nossa frente, precisamos acreditar
que dias melhores virão, pois Deus é fiel e não abandona seu povo.
Nesse segundo domingo do Advento, João Batista aparece como uma voz no
deserto, fazendo um apelo à conversão, para preparar o caminho do
Senhor!
Na linda da pregação de João Batista (cf. Lc 3, 1-6),
acodem-me à mente as palavras do Profeta Isaías: “Uma voz exclama: abri
no deserto um caminho para o Senhor [...]. Que todo vale seja aterrado,
que toda montanha e colina sejam abaixadas... Subi a uma alta montanha,
para anunciar a boa nova a Sião. Elevai com força a voz..., dizei às
cidades de Judá: “Eis o vosso Deus!” (Is 40, 1-5.9-11).
Está na hora de retornar a boa notícia sobre Jesus
Cristo, Filho de Deus, para gritá-la com força (é o sentido do Kerigma!)
em Jerusalém e nas cidades de Judéia, isto é, na Igreja e fora da
Igreja.
João Batista nos oferece um esplêndido
exemplo de proclamação do Evangelho. O que o Batista compreendeu a
respeito de Jesus é que se trata de alguém de que ele não é sequer digno
de aproximar-se para desatar-lhe as sandálias; que é “o mais forte”,
aquele que batizará no Espírito Santo e que desafiará, por assim dizer, o
mundo a ferro e fogo!
João Batista teve a capacidade
de fazer sentir Cristo “perto”, às portas (Jo 1,26), como alguém que
está “no meio” dos homens e não como uma abstração mental; como alguém
que já tem na mão a pá (Mt 3,12) e se apresenta para atuar o juízo, por
isso não há mais tempo a perder. A força de seu anúncio estava em sua
humildade (Jo 3,30): Importa que ele cresça e eu diminua, em sua
austeridade e em sua coerência.
Hoje precisamos de
anúncios inspirados e corajosos, como os de Isaías e de João Batista;
diante deles o mundo não poderia ficar insensível, como acontece quando
se fala de Jesus Cristo só com sabedoria de palavras, com livros que não
acabam mais, mas sem a força e sem a coerência de vida.
Toda a
essência da vida de João, desde o seio materno, esteve subordinada a
essa missão! João se entrega totalmente nessa missão, dedicando-se a
ela, não por gosto pessoal, mas por ter sido concebido para isso. E vai
realizar a sua missão até o fim, até dar a vida, no cumprimento da sua
vocação.
Foram muitos os que conheceram Jesus graças ao trabalho
apostólico do Batista. Os primeiros discípulos seguiram Jesus por
indicação expressa dele e muitos outros se prepararam interiormente para
segui-Lo,, graças à sua pregação.
É bela a Vocação de João
Batista! A vocação abarca a vida inteira e leva a fazer girar tudo em
torno da missão divina. Cada homem, no seu lugar e dentro das suas
próprias circunstâncias, tem uma vocação dada por Deus; de que ela se
cumpra dependem outras coisas queridas pela vontade divina!
“Eu
sou a voz que clama no deserto!” João Batista não é mais do que a voz, a
voz que anuncia Jesus. Essa é a sua missão, a sua vida, a sua
personalidade. Todo o seu ser está definido em função de Jesus, como
teria que acontecer na nossa vida, na vida de qualquer cristão. O
importante da nossa vida é Jesus!
À medida que Cristo se vai
manifestando, João procura ficar em segundo plano, ir desaparecendo.
Dizia São Gregório: “João Batista perseverou na santidade porque se
conservou humilde no seu coração.”
Como precursor, indica-nos o
caminho que devemos seguir! Na ação apostólica pessoal- enquanto
preparamos os nossos amigos para que encontrem o Senhor-, devemos
procurar não ser o centro. O importante é que Cristo seja anunciado,
conhecido e amado.
Sem humildade, não poderíamos aproximar os nossos amigos de Deus. E então a nossa vida ficaria vazia.
Não somos apenas precursores! Somos também testemunhas de Cristo.
Recebemos, com a graça batismal e a Crisma, o honroso dever de confessar
a fé em Cristo, com as nossas ações e com a nossa palavra. Que tipo de
testemunhas nós somos? Como é o nosso testemunho cristão entre os
nossos colegas, na família?
Temos que dar testemunho e , ao
mesmo tempo, apontar aos outros o caminho. “Também conduzir-nos de tal
maneira que, ao ver-nos, os outros possam dizer: este é cristão porque
não odeia, porque sabe compreender, porque não é fanático, porque está
acima dos instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimento
de paz, porque ama” (É Cristo que passa, nº 122).
Nesse tempo do
Advento, encontramos muitas pessoas olhando em outra direção, de onde
não virá ninguém; ou onde outros estão debruçados sobre os bens
materiais, como se fossem o seu último fim; mas eles jamais satisfarão o
seu coração! Cabe a nós apontar-lhes o Caminho. A todos! Diz-nos Santo
Agostinho: “Sabeis o que cada um de nós tem que fazer em casa, com o
amigo, com o vizinho, com os dependentes, com o superior com o inferior.
Não queirais, pois, viver tranquilos até conquistá-los para Cristo,
porque vós fostes conquistados por Cristo.”
A nossa família, os
amigos, os colegas de trabalho, as pessoas que vemos com frequência,
devem ser os primeiros a beneficiar-se do nosso amor por Deus. Com o
exemplo e com a oração, devemos chegar até mesmo àqueles com quem não
temos ocasião de falar habitualmente, porém, não devemos nos esquecer
que é a graça de Deus, não as nossas forças humanas, que consegue levar
as almas ao Senhor!
Que o Senhor nos ilumine para descobrirmos,
em nossa vida, quais as estradas tortuosas temos que endireitar para
chegar até Ele. E quais os vales a preencher na vida profissional, na
vida espiritual, na vida familiar, na vida de comunidade?
Possamos perceber que temos que abaixar nosso orgulho, nossa auto-suficiência!
Deus quer servir-se de nós para preparar os homens de hoje para a vinda de Cristo no Natal desse ano.
Temos o mesmo espírito de João Batista?
Para ilustrar a reflexão acrescento o texto de São Gregório
Magno, doutor da Igreja (séc. XI); Sermão no Advento 20, 1-7: “Assim
como está escrito no livro do Profeta Isaías: Esta é a voz daquele que
grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas.
Sendo perguntado ao glorioso Batista quem ele era, respondeu: eu sou a
voz que grita no deserto. Por isso o profeta lhe chamou voz, porque ia à
frente do Verbo. Todo aquele que anuncia a verdadeira fé as boas obras,
que outra coisa faz senão preparar o caminho do Senhor que vem aos
corações dos ouvintes? Porque formando com a palavra da santa pregação
pensamentos limpos nas almas dos que o ouvem, faz com que a força da
graça penetre, e a luz da verdade os ilumine, para que façam direitas as
sendas por onde o Senhor há de vir, e em conformidade a isso disse:
todo vale será aterrado, e todo desfiladeiro será humilhado.
Está muito claro nesta passagem do Evangelho que por vales não se
identificam senão os humildes, e por montanhas e colinas quer que
entendamos os soberbos. Vindo, pois, o Senhor nosso a nós, os vales
muitos baixos foram cheios, e os montes e colinas soberbos foram
humilhados; porque a voz de sua majestade assim o significou quando
disse: quem se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será
exaltado...
E todo o povo observando que a vida do santo
Batista era tão áspera, com tanta solidão e perfeição de penitência,
acabaram por crer que ele fosse o Cristo. E vendo a nosso Senhor, que
comia com os publicanos e conversava com os pecadores, não creram que
ele fosse o Cristo, mas um profeta. Porém, passando o tempo, Cristo que
era tido por profeta foi reconhecido como o Cristo verdadeiro, e o
glorioso João, que era tido por Cristo, foi reconhecido como verdadeiro
profeta, e assim se cumpriu o que o bem-aventurado Batista havia dito ao
falar de Cristo: convém que ele cresça e eu diminua. Porque Cristo
nosso redentor cresceu na reputação do povo, e foi conhecido pelo que
era; e o santo precursor diminuiu, porque cessou de ser tido pelo que
não era.
Vendo, pois, como o glorioso João perseverou na
santidade, porque teve constância verdadeira na humildade de seu
coração; e como muitos outros caíram, porque estavam cegos pelas
vaidades e se ensoberbeceram dentro de si mesmos, digamos com razão que
todos os vales serão cheios e todos os montes e colinas serão
rebaixados, porque desce as mãos dos humildes as graças que os corações
dos soberbos lançam para longe de si.
As passagens
tortuosas serão endireitadas e os caminhos acidentados serão aplainados.
Endireitam-se as coisas tortuosas quando os corações dos maus, torcidos
pelos pecados, endireitam-se por meio da penitência; e os
lugares acidentados se tornam planos quando as almas cheias de soberba e
de ira, recebendo a graça do Espírito Santo, tornam-se humildes e
mansas; porque não é outra coisa a alma soberba não querer receber a
palavra da verdade, senão um caminho áspero e pedregoso, que contradiz a
que quer caminhar. E quando a alma do soberbo, aplainada pela virtude
da mansidão, recebe com amor as palavras de repreensão e exortação,
então dizemos que o pregador encontra o caminho plano, por onde
primeiramente nem conseguia caminhar, impedido com a sua aspereza.
E toda a carne verá a salvação de Deus. Dizer toda a carne é o
mesmo que se dissesse todos os homens. É fato que nem todos os homens
puderam ver a Cristo na vida presente; diremos, pois, que a intenção do
profeta nestas palavras é assinalar o dia do juízo, quando se verão os
céus abertos, e virão os anjos por ministros, estarão os apóstolos
sentados juntos, e aparecerá Cristo nosso Redentor, Juiz Soberano,
sentado na sede de sua majestade, e todos os bons e maus o verão. E
desta visão resultará que os bons gozem sem fim, recebendo o galardão de
seus trabalhos; e os maus, castigados por suas próprias culpas, chorem
para sempre os tormentos do inferno.”
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