Escutar
e Anunciar
Mons.
José Maria Pereira
O Profeta Isaías, num momento de
tribulação, levanta-se para reconfortar o Povo eleito que vive no desterro (Is
35, 4-7). Dizei às pessoas deprimidas: criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é
vosso Deus... é Ele que vem para vos salvar. E o Profeta apresenta prodígios
que terão o seu pleno cumprimento com a chegada do Messias: Então se abrirão os
olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um
cervo e se desatará a língua dos mudos; brotarão águas no deserto e jorrarão
torrentes no ermo. Com Cristo, todos os homens são curados, e as fontes da
graça, sempre inesgotáveis, convertem o mundo numa nova criação.
No
Evangelho (Mc 7, 31-37) encontramos a realização da profecia de Isaías.
Jesus
abre os ouvidos e solta a língua de um surdo-mudo. E o povo, entusiasmado, vê
nessa cura um sinal da presença do Poder salvífico do Messias e exclama: “Tudo
Ele tem feito bem. Fez os surdos ouvirem e os mudos falarem.”
Nesta
cura que o Senhor realizou, podemos ver uma imagem da sua ação nas almas: ela
livra o homem do pecado, abre-lhe os ouvidos para que escute a Palavra de Deus
e solta-lhe a língua para que louve e proclame as maravilhas divinas. Santo
Agostinho, ao comentar esta passagem do Evangelho, diz que a língua de quem
está unido a Deus “falará do bem, tornará unido os que estavam divididos,
consolará os que choram... Deus será louvado, Cristo será anunciado.” É o que
nós faremos se tivermos o ouvido atento às contínuas moções do Espírito Santo e
a língua preparada para falar de Deus sem respeitos humanos.
Existe
uma surdez da alma que é pior que a do corpo, porque não há pior surdo do que
aquele que não quer ouvir. São muitos os que têm os ouvidos fechados à Palavra
de Deus, e são também muitos os que se vão endurecendo cada vez mais ante as
inúmeras chamadas da graça! O nosso apostolado paciente, tenaz, cheio de
compreensão, acompanhado de oração, fará com que muitos dos nossos amigos ouçam
a voz de Deus e se convertam em novos apóstolos que a preguem por toda a parte.
Não
podemos ficar mudos quando devemos falar
de Deus e da sua mensagem sem constrangimento algum, antes vendo nisso um
título de glória: os pais aos seus filhos; o amigo ao amigo, com sentido de
oportunidade, mas sem receios; o colega de escritório aos que trabalham ao seu
lado, com o seu comportamento exemplar e alegre e com a palavra que estimula a
sair da apatia; o estudante aos colegas de Universidade com quem convive tantas
horas por dia...
São Beda o Venerável, Doutor da
Igreja (séc. VIII), ensina: “Jesus o separou da multidão e, levando-o à parte,
colocou seus dedos em seus ouvidos. O primeiro passo para a salvação é que o
enfermo, guiado pelo Senhor, seja levado à parte, longe da multidão. Isto
acontece quando o Senhor, iluminando a alma do enfermo – prostrada por seus
pecados- com a presença do seu amor, o tira do habitual modo de vida e o coloca
sobre o caminho dos seus mandamentos.
Ele coloca os seus dedos nos
ouvidos quando, por meio dos dons do Espírito Santo, abre os ouvidos do coração
para que compreenda e receba a palavra da salvação. De fato, o próprio Senhor
testemunha que o Espírito Santo é o dedo de Deus, quando afirma aos judeus: Se
eu expulso os demônios com o dedo de Deus, seus filhos por quem os expulsam?
Explicando estas palavras outro evangelista diz: Eu expulso os demônios com o
Espírito Santo.
Os próprios magos do Egito foram
vencidos por Moisés por esse dedo, fato que eles reconheceram: Aqui está o dedo
de Deus; e também a lei foi escrita sobre tábuas de pedra. E, por meio do dom
do Espírito Santo, estamos protegidos contra as ciladas dos homens e dos
espíritos malignos, e somos instruídos no conhecimento da vontade divina.
Portanto, os dedos de Deus, colocados
nos ouvidos do enfermo que seria curado, são os dons do Espírito Santo, que
abre os corações que tinham se distanciado do caminho da verdade ao
conhecimento da ciência da salvação...”
Peçamos
ao Senhor fé e audácia para anunciar com clareza e simplicidade as maravilhas
de Deus de que somos testemunhas, como fizeram os Apóstolos depois do dia de
Pentecostes. Santo Agostinho aconselha-nos: “Se amais a Deus, atraí para que O
amem todos os que se reúnem convosco e todos os que vivem na vossa casa. Se amais
o Corpo de Cristo, que é a unidade da Igreja, estimulai a todos para que gozem
de Deus e dizei-lhes com Davi: “ Celebrai comigo o Senhor, exaltemos juntos o
seu nome” (Sl 33 (34), 4); e nisto não sejais parcos nem tímidos, mas
conquistai para Deus todos os que
puderdes e por todos os meios possíveis, conforme a vossa capacidade,
exortando-os, suportando-os, suplicando-lhes, conversando com eles e
falando-lhes com toda a mansidão e suavidade da razão de ser das coisas que
dizem respeito à fé.” Não fiquemos calados quando tantas são as coisas que Deus
quer dizer através das nossas palavras.
Deus
também fez uso da Palavra. Ele próprio se fez Palavra, na pessoa de Jesus
Cristo. E o que nos lembra São Tiago? “Acolhei com humildade a Palavra que lhes
foi plantada no coração” (Tg 1,21).
Jesus
tocou os ouvidos e a boca do doente e ele começou a escutar e a falar! Peçamos
a Cristo, que toque também: Nossos ouvidos para que se tornem sensíveis em
escutar sua Palavra;
Nossos
lábios para que se tornem entusiastas em anunciá-La e nossas mãos para que nos
tornemos generosos em testemunhá-La...
Nossos
pés, para que desperte em nós novo ardor missionário...
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