III DOMINGO DA QUARESMA - ANO B
(04/03/2018)
OS DEZ MANDAMENTOS
(REMBRANDT VON RIJN - 1606-1669)
A Quaresma é um tempo de conversão e de
renovação. Mas não acontece verdadeira e autêntica renovação se não se passa
por uma corajosa revisão da própria vida moral e da própria vida litúrgica ;
com palavras mais simples, dos próprios costumes e da própria oração.
Ensina São Leão Magno: “A Quaresma é tempo de
limpar e enfeitar a casa por dentro. Convém que vivamos sempre de modo sábio e
santo, dirigindo nossa vontade e nossas ações para aquilo que sabemos agradar a
Deus.”
A liturgia do terceiro domingo nos apresenta, na
primeira leitura, o trecho de Êxodo 20,1-17, o Decálogo. Não pronunciarás o
nome do Senhor Teu Deus em vão; lembra-te de santificar o dia de sábado; honra
teu pai e tua mãe; não matarás; não cometerás adultério; não furtarás; não
levantarás falso testemunho; não cobiçarás as coisas do teu próximo; não
desejarás a mulher do teu próximo.
Um pormenor chama imediatamente a nossa
atenção: a enunciação dos Dez Mandamentos é introduzida por uma significativa
referência à libertação do povo de Israel. O texto diz: “Eu sou o Senhor teu
Deus, que ti fiz sair da terra do Egito, da casa da servidão” (Ex 20, 2). Por
conseguinte, o Decálogo deseja ser uma confirmação da liberdade conquistada.
Com efeito, se considerarmos profundamente, os Mandamentos são o instrumento
que o Senhor nos concede para defender a nossa liberdade, tanto dos interiores
condicionamentos das paixões, como dos abusos exteriores dos mal-intencionados.
Os “não” dos Mandamentos são outros tantos “sim” ao crescimento de uma
liberdade autêntica. O Decálogo é
testemunho de um amor de predileção.
Estes dez mandamentos foram a base da vida
moral, antes do povo hebreu e depois do povo cristão. Não contém toda a lei;
sua forma negativa (“não fazer”) indica que se trata de alguns limites que
delimitam um âmbito moral, antes que descrevê-lo positivamente; dentro devem
ser colocados “toda a lei e os profetas” e de maneira especial o mandamento do
amor que os resume a todos (Mt 22,40). É precisamente este caráter “negativo”
que assegura aos dez mandamentos sua perene, imutável atualidade.
No início, eles não são percebidos nem mesmo
como lei, mas como evento: o povo entra na aliança com Deus e os mandamentos
são um sinal de sua pertença ao Senhor; são a proclamação de seu caráter de
povo eleito, diferente de todos, isto é, santo. Daqui o fato, surpreendente
para nós, de que Israel não fala da lei como um peso, ou de uma imposição, mas
como de um dom sumamente grande, de um facho que ilumina meus passos (Sl
118,105); fala dela com paixão e com um desmedido orgulho: Ditosos somos nós,
Israel, porque a nós foi revelado o que agrada a Deus! (Br 4,4).
O Decálogo é uma escolha de vida que Deus propõe
ao homem: Olha que hoje ponho diante de ti a vida com o bem, e a morte com o
mal; observes seus mandamentos, suas leis e seus preceitos […] para que vivas e
te multipliques […] se não obedeceres e se te deixares seduzir eu te declaro
neste dia: perecereis (Dt 30,15 ss). O Decálogo é para o homem, não contra ele;
não quer amarrar ou limitar sua liberdade, mas antes soltá-la. Aquilo que
proíbe não é, com efeito, algo arbitrário que desagrada a Deus não se sabe por
que, mas é o que compromete antes de tudo o próprio homem e sua possibilidade
de ter relações equilibradas com os outros, de ser, em outras palavras,
autenticamente homem.
Diz S. Paulo: Nós pregamos Cristo crucificado
[…] força de Deus e sabedoria de Deus (1Cor 1,23). Faz-nos compreender que
agora tudo –inclusive a Lei- toma sentido a partir de Jesus Cristo. Nós não
estamos mais sozinhos diante a lei; entre nós e o Decálogo existe no meio Jesus
Cristo crucificado e ressuscitado. Ele é a “sabedoria de Deus” para nós, isto
é, a nossa lei.
Para sermos discípulos do Senhor, temos de
seguir o seu conselho: Se alguém quiser vir após de mim, renuncia a si mesmo,
tome a sua cruz e siga-me (Mt 16,24). Não é possível seguir o Senhor sem a
Cruz. As palavras de Jesus Cristo têm plena vigência em todos os tempos, uma
vez que foram dirigidas a todos os homens, pois quem não carrega a sua cruz e
me segue – diz-nos Ele a cada um- não pode ser meu discípulo (Lc 14,27).
Carregar a cruz – aceitar a dor e as contrariedades
que Deus permite para nossa purificação, cumprir com esforço os deveres
próprios, assumir voluntariamente a mortificação cristã - é condição
indispensável para seguir o Mestre.
Eis como a Palavra de Deus se torna hoje ocasião
de renovação quaresmal. Ela nos impele com uma força incomum a nos lavar, a nos
purificar, a tirar o mal que há em nossas ações (Is 1,16), a eliminar o
fermento velho, para ser uma massa nova e celebrar assim, dentro em breve, a
festa do Senhor com ázimos de sinceridade e de verdade (1Cor 5,7s).
O CHICOTE E A CRUZ
(BERNARDINO MEI)
No Evangelho (Jo 2, 13-25) Jesus se apresenta “expulsando os
vendedores de bois, ovelhas, pombas e os cambistas”. O Templo era um lugar
muito sagrado para os judeus, todo judeu deveria ir ao templo ao menos uma vez
por ano para oferecer um sacrifício a Deus. Como bom judeu, Jesus exige
respeito pelo templo. Desrespeitá-lo significava desrespeitar o próprio Deus,
pois templo significa a presença de Deus entre os seres humanos. A Palavra
templo vem do grego e significa lugar separado do profano para Deus, onde
habita Deus. Assim, templar significa morar no templo e contemplar, morar com
Deus, estar no espaço de Deus, habitar com Deus.
O gesto ousado de Cristo não é apenas zelo de purificação do
templo. As ofertas para os sacrifícios faziam girar muito dinheiro e provocavam
abusos e exploração. “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa
de comércio!” (Jo 2, 16). As relações do homem com Deus, e também para com o
próximo, têm que ser orientadas pela retidão, pela sinceridade; pode acontecer
que, no culto divino ou na observância de determinado preceito do Decálogo (os
Dez Mandamentos) se preste maior atenção ao aspecto externo legalista, do que
ao interno e, assim, poderá chegar-se, pouco ou muito, à profanação do templo,
da religião, da Lei de Deus. São João afirma que Jesus purificou o templo,
expulsando dele os vendedores com as suas mercadorias, quando já estava próxima
a “Páscoa dos Judeus”.
A Igreja, durante a quaresma, caminhando para a Páscoa,
parece repetir o gesto de Jesus, convidando os cristãos à purificação do templo
do seu coração para que possam prestar a Deus um culto mais purificado. Jesus
falou de outro templo, infinitamente digno, “o Templo do Seu Corpo” (Jo 2, 21),
ao qual fazia alusão quando dizia: “Destruí este Templo, e em três dias Eu o
levantarei” (Jo 2,19).
Jesus identifica o Templo de Jerusalém com Seu próprio
Corpo, e deste modo refere-se a uma das verdades mais profundas sobre Si mesmo:
a Encarnação. Depois da Ascensão do Senhor aos Céus essa presença real e
especialíssima de Deus, no meio dos homens, continua no sacramento da
Eucaristia.
Ao falar da destruição do Templo e da sua reconstrução em
três dias, Jesus quer indicar a grandiosidade do milagre da Sua Ressurreição:
Jesus recorre a uma metáfora, é como se dissesse: Vede este Templo? Pois bem,
imaginai-o destruído. Não seria um grande milagre reconstruí-lo em três dias?
Isso farei Eu como sinal. Porque vós destruireis o Meu Corpo, que é o Templo
verdadeiro, e Eu o voltarei a levantar ao terceiro dia.
Jesus purificou o templo de seus profanadores e nos convida
a purificar também o templo de nosso coração.
Jesus nos convida a sermos templos no qual está presente
Deus e nele se oferece um verdadeiro culto em espírito e em verdade.
A Quaresma é tempo de conversão! Tempo de Jejum, oração, e
por isso é tempo do amor, a força maior de conversão. Aproveitemos bem esse
tempo fazendo a Via Sacra, meditando no amor de Deus por nós. Meditemos na
Cruz! Não é possível seguir o Senhor sem a Cruz. Carregar a cruz, aceitar a dor
e as contrariedades que Deus permite para a nossa purificação, cumprir com
esforço os deveres próprios, assumir voluntariamente a mortificação cristã é
condição indispensável para seguir o Mestre. “Que seria de um Evangelho, de um
cristianismo sem Cruz, sem dor, sem o sacrifício da dor?, perguntava-se o Beato Papa Paulo VI. Seria um Evangelho, um
cristianismo sem Redenção, sem Salvação, da qual temos necessidade absoluta. O
Senhor salvou-nos por meio da Cruz; com sua morte, devolveu-nos a esperança,
por meio da Cruz; com sua morte devolveu-nos a esperança, o direito à Vida”.
Diz São Leão Magno que seria um cristianismo desvirtuado que não serviria para
alcançar o Céu, pois “o mundo não pode salvar-se senão por meio da Cruz de
Cristo.”
Preparemo-nos para a Páscoa com jejum e oração! “Se não te
mortificas, nunca serás alma de oração” (São Josemaria Escrivá, Caminho nº
172). E Santa Teresa ensina: “Pensar que o Senhor admite na sua amizade gente
regalada e sem trabalhos é disparate”.
Todos nós somos chamados a sermos Templo de Deus em Cristo
Jesus. Vivamos a sabedoria ou a loucura da Cruz.
MONSENHOR JOSÉ MARIA PEREIRA
SCE Região RIO II
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