Homilia
do Mons. José Maria – XV Domingo do Tempo Comum – Ano A
Reflexões sobre o Semeador
O poder e a eficácia da Palavra de
Deus constituem o argumento central da reflexão de hoje. “Assim como a chuva e
a neve descem do céu e para lá não voltam mais, mas vêm irrigar e fecundar a
terra e fazê-la germinar e dar semente para o plantio e para a alimentação;
assim a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia; antes,
realizará tudo que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi ao
enviá-la” (Is 55, 10-11).
São Mateus (Mt. 13, 1-23) narra que
Jesus, diante das multidões que se aproximaram dele, sentou-se na barca,
começou a ensinar-lhes: Saiu o semeador a semear, e as sementes caíram em
terrenos muito diversos. Ou seja, a eficácia da Palavra, no coração do homem,
depende de suas disposições. Nem todos a aceitam porque não deixam a Palavra de
Deus penetrar fundo em suas vidas. As provações, as riquezas, os prazeres da
vida impedem que produza fruto.
O Semeador, que saiu para semear, é
precisamente Jesus, e a semente que espalha “é a Palavra de Deus” (Lc. 8, 11).
O semeador espalha a sua semente aos quatro ventos, e assim se explica que uma
parte caia no caminho. A semente caiu em vários tipos de terras diferentes:
terreno pedregoso, entre espinhos; outras sementes caíram em terra boa. O
terreno onde cai a boa semente é o mundo inteiro, cada homem.
A mesma semente produz muito fruto
numa classe de terreno e em outros não produz nada. Isto significa o mistério
da liberdade do homem perante o dom de Deus. Jesus semeia, em qualquer parte, a
Palavra: nem sequer a nega aos pecadores, à gente superficial e distraída, aos
homens imersos nos prazeres ou ocupados em negócios, comparando-os na parábola,
à que cai à beira do caminho, em terrenos pedregosos, ou entre espinhos; isto
significa a grande misericórdia do Senhor! Com efeito, em sentido espiritual,
ensina São João Crisóstomo, “é possível que a rocha se transforme em boa terra;
que o caminho deixe de ser pisado e se converta também em terra fértil, e que
os espinhos desapareçam e deixem crescer exuberantemente as sementes. E se não
se opera em todos essa transformação, não é, certamente, por culpa do semeador,
mas daqueles que não querem mudar”. Isto é terrível, mas acontece: o homem pode
fechar-se à Palavra de Deus, recusá-la e, consequentemente, torná-la ineficaz.
Aos discípulos que perguntam a Jesus:
“Por que falas ao povo em parábolas?”; responde-lhes: “Pois à pessoa que tem
será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem será
tirado até o pouco que tem” (Mt. 13, 12). O Senhor explica aos seus discípulos,
que eles, justamente porque têm fé nEle e desejam conhecer mais a fundo a Sua
doutrina, lhes será dado um conhecimento mais profundo das verdades divinas.
Mas os que não O seguem depois de O terem conhecido, perdem o interesse pelas
coisas de Deus, estarão cada dia mais cegos, e é como se lhes fosse tirado o
pouco que tinham. O Senhor nos exorta, sem tirar a nossa liberdade, à
responsabilidade de sermos fiéis: devemos fazer frutificar os dons que Deus nos
vai enviando e aproveitar as ocasiões de santificação cristã que nos são
oferecidas ao longo da nossa vida.
Não pensemos que o não querer ouvir,
nem ver, nem compreender, foi coisa exclusiva daqueles homens contemporâneos de
Jesus; cada um de nós também tem as suas durezas de ouvido, de coração e de
entendimento perante a Palavra de Deus, perante a Sua graça. Além disso, não
basta saber a doutrina da fé: é absolutamente necessário vivê-la com todas as
suas exigências morais e ascéticas. Jesus foi pregado na Cruz não só pelos
pregos e pelos pecados de alguns judeus, mas também pelos nossos pecados, que
iríamos cometer séculos depois, mas que já atuavam sobre a Humanidade Santíssima
de Jesus Cristo, que carregava com nossos pecados.
“A alma que ama a Deus de verdade não
deixa, por preguiça, de fazer o que pode para encontrar o Filho de Deus, o seu
Amado. E depois de ter feito tudo o que pode, não fica satisfeita e pensa que
não fez nada” (São. João da Cruz).
“A semente que caiu entre os espinhos
é aquele que ouve a palavra, mas as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza
sufocam a palavra, e ele não dá fruto” (Mt. 13, 22). Trata-se de almas
obcecadas pelas coisas materiais, envoltas numa “avareza de fundo que leva a
apreciar apenas o que se pode tocar: os olhos que parecem ter ficado colados às
coisas terrenas, mas também os olhos que, por isso mesmo, não sabem descobrir
as realidades sobrenaturais” (São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, nº 6).
É como se estivessem cegos para o que verdadeiramente importa.
Deixar que o coração se apegue ao
dinheiro é um grave obstáculo para que o amor de Deus crie raízes no coração.
São Paulo ensina que quem coloca o seu coração nos bens terrenos como se fossem
bens absolutos, comete uma espécie de idolatria (Col. 3, 5). Esta desordem da
alma conduz com freqüência à falta de mortificação, à sensualidade, à fuga ou
ao esquecimento dos bens sobrenaturais, pois sempre se cumprem aquelas palavras
do Senhor: “onde estiver o vosso tesouro, ali estará o vosso coração” (Lc. 12,
34).
Deus espera que sejamos um terreno
que acolha a graça e dê fruto; e produziremos mais e melhores frutos quanto
maior for a nossa generosidade com Deus.
“Além disso, o Senhor nos dá muito,
tem direito à nossa mais plena correspondência…, e é preciso caminhar ao
seu passo” (Forja, 385).
Cabe – nos a pergunta: Que tipo de
terreno sou eu? As quatro qualidades de terra se encontram, mais ou menos, em
cada um de nós!
Em cada um de nós há espinhos,
pedras, trilhos e terra de boa qualidade. Trata-se de tomar consciência e de
melhorar o terreno ( que é o nosso coração ) para que a Palavra de Deus possa
produzir frutos.
Gostaria de fixar-me sobre o lado
positivo e encorajador do Evangelho de hoje: a Palavra de Deus encontra também
muitos corações disponíveis, muito terreno bom. O terreno melhor foi aquele de
Maria, que acolhia todas as palavras e as guardava em seu coração (cf. Lc 2,19
). Terreno bom foram os apóstolos e os discípulos, que acolheram a Palavra e a
pregaram ao mundo, irrigando-a com o próprio sangue.
Quem é hoje o terreno bom que produz fruto? É o cristão que, antes de
tudo, tem sede da Palavra de
Deus, que a ama, que se preocupa em ouvi-La,
compreendê-La, convicto de que não só de pão vive o
homem, mas de toda palavra
que procede da boca de Deus ( Mt 4,4 ). É aquele que aplica a Palavra à sua
vida; dá-lhe forma e espaço, com a reflexão, de modo que possa germinar, em seu
coração, iluminar as
intenções, fortificar os propósitos, de modo que eles se
transformem em obras evangélicas, isto é, nos cem
por cento de que fala Jesus
no final de sua parábola.
Mons. José Maria Pereira
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