sexta-feira, 28 de julho de 2017

HOMILIA DOMINICAL



Homilia do Mons. José Maria – XVII Domingo do Tempo Comum – Ano A
O Tesouro Escondido

O Evangelho (Mt 13,44-52) continua a série de parábolas sobre o Reino dos Céus. O ensinamento de Jesus é particularmente vivo e apto para mover a mente e o coração e, por conseguinte, para levar à ação. Jesus compara o Reino dos Céus “a um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo” (Mt 13,44). Ou ainda, “a um negociante que andava em busca de pérolas preciosas. Ao encontrar uma de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola” (Mt 13, 45-46). Nos dois casos, por duas vezes se fala em vender: vender significa desfazer-se do que é seu. Para possuir o Reino dos Céus as pessoas deverão desfazer-se de si mesmas, dos valores falsos deste mundo, do apego aos bens materiais. Vale apena vender tudo para possuir o tesouro do Reino! O Reino dos Céus – o Evangelho, o cristianismo, a graça, a amizade com Deus – é o tesouro escondido, mas presente no mundo; muitos o têm próximo, mas não o descobrem, ou antes, mesmo descoberto, não sabem dar-lhe o respectivo valor e descuidam-no, preterindo-o ao reino material: aos prazeres, às riquezas e às satisfações de vida terrena. Somente quem dispõe de um coração compreensivo para “distinguir o bem do mal” (1Rs 3,9), o eterno do transitório, a aparência do que é essencial, saberá tomar a decisão de “vender tudo quanto possui” para o adquirir. Jesus não pede pouco a quem quer alcançar o Reino; pede-lhe tudo. Mas também é certo que não lhe promete pouco; promete-lhe tudo: a vida eterna e a eterna e beatificante comunhão com Deus. Se o homem, para conservar a vida terrena, está disposto a perder a todos os seus bens, porque não se dispõe a fazer outro tanto, ou mais ainda, para conseguir para si a vida eterna?
    O Reino dos Céus é um tesouro, aliás, o único tesouro, o único bem realmente importante. Tanto que um homem  que o possui tem tudo, mesmo que não tenha mais nada; enquanto quem não o possui não tem nada, mesmo que possua o mundo inteiro: Que servirá a um  homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? – diz Jesus; isto é, se não toma posse do Reino dos Céus? (Mt 16,26).
     Para ganhar tão grande tesouro, vale a pena que o homem não só renuncie a todas as coisas, mas também, como diz Jesus, que renuncie à sua própria vida, porque quem perde a sua vida para o Reino dos Céus a encontrará; enquanto quem a quer salvar a perderá ( Mt 10,39 ).
      O Reino dos Céus, portanto, é realmente um tesouro, o único tesouro verdadeiro.
Mas este, como diz a parábola, é um tesouro escondido, um tesouro difícil de ser descoberto. Basta pensar em todos aqueles que ainda não conhecem o Evangelho e a Igreja, depois de 2 mil anos que tal tesouro existe sobre a terra.  Mas, sem ir longe e pensar naqueles que vivem desconhecendo o Evangelho, o Reino dos Céus é um tesouro escondido também para os cristãos; escondido porque sempre por descobrir, escondido porque difícil de ser descoberto.
     Essas  parábolas nos dizem alguma coisa a mais do que meditamos até aqui: o tesouro escondido, pelo qual é preciso vender tudo, é, sim,  o Reino dos Céus, isto é, uma realidade, mas é também em primeiro lugar uma pessoa: é o próprio Jesus. Segui – Lo, escolhê – Lo pela vida e voltar a escolhê – Lo sempre de novo, ser Seu discípulo, significa ter feito a escolha certa, a única que assegura o tesouro nos céus. É Ele a pérola preciosa.

Nas duas parábolas, mesmo sendo parecidas entre si, apresentam diferenças dignas de nota: O tesouro significa a abundância de dons; a pérola, a beleza do Reino. O tesouro apresenta-se de repente, a pérola supõe, pelo contrário, uma busca esforçada; mas em ambos os casos o que encontra fica inundado de uma profunda alegria. Assim é a fé, a vocação, a verdadeira sabedoria, o desejo do céu: por vezes, apresenta-se de modo inesperado, outras segue-se a uma intensa busca. A atitude do homem, em ambas as parábolas, está descrita com os mesmos termos: “vai e vende tudo o quanto tem e compra-a: o desprendimento, a generosidade, é condição indispensável para o alcançar.
Esse Reino é “paz, justiça e gozo no Espírito Santo”. Vem, Senhor, a nós esse vosso Reino, vem nos ensinar que vale a pena perder tudo, entregar tudo para ter a Vós, único e verdadeiro Bem.
“O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar que apanha peixes de todo o tipo” (Mt13,47). Esta rede lançada ao mar é imagem da Igreja, em cujo seio há justos e pecadores: até o fim dos tempos, haverá nela santos, como haverá os que abandonaram a casa paterna, dilapidando a herança recebida no Batismo; e uns e outros pertencem a ela, ainda que de modo diverso.
Como recorda São João Paulo II, a Igreja “é Mãe, na qual renascemos para uma vida nova em Deus; uma mãe deve ser amada. Ela é santa no seu Fundador, nos seus meios e na sua doutrina, mas formada por homens pecadores; temos que contribuir para melhorá-la e ajudá-la a uma fidelidade sempre renovada, que não se consegue com críticas corrosivas” (Homilia em Barcelona, 1982).
A Igreja é fonte de santidade e causa da existência de tantos santos ao longo dos séculos.
Todos os membros da Igreja são chamados à santidade, “quer pertençam à Hierarquia, quer sejam por ela apascentados” (LG, 39).
Peçamos ao Senhor que nós, membros do Povo de Deus, do seu Corpo Místico, cresçamos em santidade pessoal e sejamos assim bons filhos da Igreja. “São precisos –  diz São João Paulo II – arautos do Evangelho, peritos em humanidade que conheçam a fundo o coração do homem de hoje, participem das suas alegrias e esperanças, das suas angústias e tristezas e ao mesmo tempo, sejam contemplativos, enamorados de Deus. Para isto, são precisos novos santos. Os grandes evangelizadores da Europa foram os santos. Devemos suplicar ao Senhor que aumente o espírito de santidade na Igreja e nos envie novos santos para evangelizar o mundo de hoje” (Discurso ao Simpósio de Bispos Europeus, 1985).
Amemos, cada vez mais, a Igreja de Cristo! Se amamos a Igreja, nunca surgirá em nós esse interesse mórbido em ventilar, como culpa da Mãe, as misérias de alguns dos filhos.
Façamos nossa a oração de Salomão: “Senhor, dá, pois, ao teu servo um coração compreensivo, capaz de governar o teu povo e de discernir entre o bem e o mal” (1Rs 3,9). Que na procura do Tesouro e da Pérola Preciosa, os obstáculos nunca nos desanimem, “pois, tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus…” (Rm 8, 28).
O que ainda preciso entregar para que o Reino de Deus seja todo o meu tesouro?
Mons. José Maria Pereira

quinta-feira, 13 de julho de 2017

HOMILIA DOMINICAL



Homilia do Mons. José Maria – XV Domingo do Tempo Comum – Ano A
Reflexões sobre o Semeador


O poder e a eficácia da Palavra de Deus constituem o argumento central da reflexão de hoje. “Assim como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam mais, mas vêm irrigar e fecundar a terra e fazê-la germinar e dar semente para o plantio e para a alimentação; assim a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia; antes, realizará tudo que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi ao enviá-la” (Is 55, 10-11).
São Mateus (Mt. 13, 1-23) narra que Jesus, diante das multidões que se aproximaram dele, sentou-se na barca, começou a ensinar-lhes: Saiu o semeador a semear, e as sementes caíram em terrenos muito diversos. Ou seja, a eficácia da Palavra, no coração do homem, depende de suas disposições. Nem todos a aceitam porque não deixam a Palavra de Deus penetrar fundo em suas vidas. As provações, as riquezas, os prazeres da vida impedem que produza fruto.
O Semeador, que saiu para semear, é precisamente Jesus, e a semente que espalha “é a Palavra de Deus” (Lc. 8, 11). O semeador espalha a sua semente aos quatro ventos, e assim se explica que uma parte caia no caminho. A semente caiu em vários tipos de terras diferentes: terreno pedregoso, entre espinhos; outras sementes caíram em terra boa. O terreno onde cai a boa semente é o mundo inteiro, cada homem.
A mesma semente produz muito fruto numa classe de terreno e em outros não produz nada. Isto significa o mistério da liberdade do homem perante o dom de Deus. Jesus semeia, em qualquer parte, a Palavra: nem sequer a nega aos pecadores, à gente superficial e distraída, aos homens imersos nos prazeres ou ocupados em negócios, comparando-os na parábola, à que cai à beira do caminho, em terrenos pedregosos, ou entre espinhos; isto significa a grande misericórdia do Senhor! Com efeito, em sentido espiritual, ensina São João Crisóstomo, “é possível que a rocha se transforme em boa terra; que o caminho deixe de ser pisado e se converta também em terra fértil, e que os espinhos desapareçam e deixem crescer exuberantemente as sementes. E se não se opera em todos essa transformação, não é, certamente, por culpa do semeador, mas daqueles que não querem mudar”. Isto é terrível, mas acontece: o homem pode fechar-se à Palavra de Deus, recusá-la e, consequentemente, torná-la ineficaz.
Aos discípulos que perguntam a Jesus: “Por que falas ao povo em parábolas?”; responde-lhes: “Pois à pessoa que tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem será tirado até o pouco que tem” (Mt. 13, 12). O Senhor explica aos seus discípulos, que eles, justamente porque têm fé nEle e desejam conhecer mais a fundo a Sua doutrina, lhes será dado um conhecimento mais profundo das verdades divinas. Mas os que não O seguem depois de O terem conhecido, perdem o interesse pelas coisas de Deus, estarão cada dia mais cegos, e é como se lhes fosse tirado o pouco que tinham. O Senhor nos exorta, sem tirar a nossa liberdade, à responsabilidade de sermos fiéis: devemos fazer frutificar os dons que Deus nos vai enviando e aproveitar as ocasiões de santificação cristã que nos são oferecidas ao longo da nossa vida.
Não pensemos que o não querer ouvir, nem ver, nem compreender, foi coisa exclusiva daqueles homens contemporâneos de Jesus; cada um de nós também tem as suas durezas de ouvido, de coração e de entendimento perante a Palavra de Deus, perante a Sua graça. Além disso, não basta saber a doutrina da fé: é absolutamente necessário vivê-la com todas as suas exigências morais e ascéticas. Jesus foi pregado na Cruz não só pelos pregos e pelos pecados de alguns judeus, mas também pelos nossos pecados, que iríamos cometer séculos depois, mas que já atuavam sobre a Humanidade Santíssima de Jesus Cristo, que carregava com nossos pecados.
“A alma que ama a Deus de verdade não deixa, por preguiça, de fazer o que pode para encontrar o Filho de Deus, o seu Amado. E depois de ter feito tudo o que pode, não fica satisfeita e pensa que não fez nada” (São. João da Cruz).
“A semente que caiu entre os espinhos é aquele que ouve a palavra, mas as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra, e ele não dá fruto” (Mt. 13, 22). Trata-se de almas obcecadas pelas coisas materiais, envoltas numa “avareza de fundo que leva a apreciar apenas o que se pode tocar: os olhos que parecem ter ficado colados às coisas terrenas, mas também os olhos que, por isso mesmo, não sabem descobrir as realidades sobrenaturais” (São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, nº 6). É como se estivessem cegos para o que verdadeiramente importa.
Deixar que o coração se apegue ao dinheiro é um grave obstáculo para que o amor de Deus crie raízes no coração. São Paulo ensina que quem coloca o seu coração nos bens terrenos como se fossem bens absolutos, comete uma espécie de idolatria (Col. 3, 5). Esta desordem da alma conduz com freqüência à falta de mortificação, à sensualidade, à fuga ou ao esquecimento dos bens sobrenaturais, pois sempre se cumprem aquelas palavras do Senhor: “onde estiver o vosso tesouro, ali estará o vosso coração” (Lc. 12, 34).
Deus espera que sejamos um terreno que acolha a graça e dê fruto; e produziremos mais e melhores frutos quanto maior for a nossa generosidade com Deus.
“Além disso, o Senhor nos dá muito, tem direito à nossa mais plena correspondência…, e é preciso caminhar ao seu passo” (Forja, 385).
Cabe – nos a pergunta: Que tipo de terreno sou eu? As quatro qualidades de terra se encontram, mais ou menos, em cada um de nós!
Em cada um de nós há espinhos, pedras, trilhos e terra de boa qualidade. Trata-se de tomar consciência e de melhorar o terreno ( que é o nosso coração ) para que a Palavra de Deus possa produzir frutos.
Gostaria de fixar-me sobre o lado positivo e encorajador do Evangelho de hoje: a Palavra de Deus encontra também muitos corações disponíveis, muito terreno bom. O terreno melhor foi aquele de Maria, que acolhia todas as palavras e as guardava em seu coração (cf. Lc 2,19 ). Terreno bom foram os apóstolos e os discípulos, que acolheram a Palavra e a pregaram ao mundo, irrigando-a com o próprio sangue.

Quem é hoje o terreno bom que produz fruto? É o cristão que, antes de tudo, tem sede da Palavra de 

Deus, que a ama, que se preocupa em ouvi-La, compreendê-La, convicto de que não só de pão vive o 

homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus ( Mt 4,4 ). É aquele que aplica a Palavra à sua 

vida; dá-lhe forma e espaço, com a reflexão, de modo que possa germinar, em seu coração, iluminar as 

intenções, fortificar os propósitos, de modo que eles se transformem em obras evangélicas, isto é, nos cem

por cento de que fala Jesus no final de sua parábola.
Mons. José Maria Pereira

domingo, 9 de julho de 2017

HOMILIA DOMINICAL


Homilia de Mons. José Maria Pereira
XIV Domingo do Tempo Comum Ano A
Alívio e Sofrimento

Estamos diante de um convite de Jesus: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso…Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11, 28-30).
Ao lado de Cristo, todas as fadigas se tornam amáveis, tudo o que poderia ser custoso no cumprimento da vontade de Deus se suaviza. O sacrifício, quando se está ao lado de Cristo, não é áspero e duro, mas amável. Ele assumiu as nossas dores e os nossos fardos mais pesados. O Evangelho é uma contínua prova da sua preocupação por todos: “Ele deixou-nos por toda a parte exemplos da sua misericórdia”, escreve São Gregório Magno. Ressuscita os mortos, cura os cegos, os leprosos, os surdos-mudos, liberta os endemoninhados…Por vezes, nem sequer espera que lhe tragam o doente, mas diz: Eu irei e o curarei: Mesmo no momento da morte, preocupa-se com os que estão ao seu lado. E ali entrega-se com amor, como propiciação pelos nossos pecados. E não só pelos nossos, mas também pelos de todo mundo.

Devemos imitar o Senhor: não só evitando lançar preocupações desnecessárias sobre os outros, mas ajudando-os a enfrentar as que têm.

Temos de libertar os outros daquilo que lhes pesa, como Cristo faria se estivesse no nosso lugar.
Ao mesmo tempo, podemos e devemos pensar nesses aspectos em que, muitas vezes sem termos plena consciência disso, contribuímos para tornar um pouco mais pesada e menos grata a vida dos outros:  pelos nossos juízos precipitados, pela crítica negativa, pela indiferença ou falta de consideração, pela palavra que magoa.

Peçamos ao Senhor, na nossa oração pessoal, a ajuda da sua graça para sentirmos uma compaixão eficaz por aqueles que sofrem o mal incomensurável de estarem enredados no pecado. Peçamos-lhe a graça de entender que o apostolado da Confissão é a maior obra de todas as obras de misericórdias, pois é possibilitar que Deus derrame o seu perdão generosíssimo sobre os que se afastaram da casa paterna. Que enorme fardo retiramos dos ombros de quem estava oprimido pelo pecado e se aproxima da Confissão! Que grande alívio!

Não encontraremos caminho mais seguro para seguirmos o Senhor e para encontrarmos a nossa própria felicidade do que a preocupação sincera por libertar ou aliviar do seu lastro os que  caminham cansados e aflitos, pois Deus dispôs as coisas “para que aprendamos a levar as cargas uns dos outros; porque não há ninguém sem defeito, ninguém sem carga, ninguém que se baste a si próprio, nem que seja suficientemente sábio para si” ( T. Kempis, Imitação de Cristo, I,16). Todos precisamos uns dos outros. A convivência diária requer essas ajudas mútuas, sem as quais dificilmente poderíamos ir para a frente.

E se alguma vez nós mesmos nos vemos a braços com um fardo excessivamente pesado para as nossas forças, não deixemos de ouvir as palavras do Senhor: Vinde a mim. Só Ele restaura as forças, só Ele sacia a sede. “Jesus diz agora e sempre: Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Efetivamente, Jesus encontra-se numa atitude de convite, de promessa, de amizade, de bondade, de remédio para os nossos males, de conforto e, sobretudo, de pão, de fonte de energia e de vida” ( BeatoPapa Paulo VI, Homilia, 12/06/1977). Cristo é o nosso descanso.

O segredo é a oração. Quando, por vezes, na vida, nos sentimos esmagados e não sabemos a quem mais recorrer, temos que voltar-nos decididamente para o Sacrário, onde nos espera o Amigo que nunca atraiçoa nem decepciona, e que, nesse colóquio  sem palavras, nos anima, nos dá critério e nos robustece para a luta.

Quantas preocupações e fardos aparentemente insuportáveis se desfazem à luz trêmula da lamparina de um Sacrário!

Falando sobre a oração  sobre as visitas de adoração a Cristo presente sob as  espécies eucarísticas, ensinou São João Paulo ll: “É bom demorar- se com Ele e, inclinado sobre o seu peito como o discípulo predileto ( cf. Jo 13,25 ), deixar-se tocar pelo amor infinito do seu coração. Se atualmente o cristianismo se deve caracterizar sobretudo pela “arte da oração”, como não sentir de novo a necessidade de permanecer longamente, em diálogo espiritual, adoração silenciosa, atitude de amor, diante de Cristo presente no Santíssimo Sacramento? Quantas vezes, meus queridos irmãos e irmãs, fiz esta experiência, recebendo dela força, consolação, apoio! Escrevia Santo Afonso Maria de Ligório: “A devoção de adorar Jesus sacramentado é, depois dos sacramentos, a primeira de todas as devoções, a mais agradável a Deus e a mais útil para nós”. A Eucaristia é um tesouro inestimável: não só a sua celebração, mas também o permanecer diante dela fora da Missa permite – nos beber na própria fonte da graça. Uma comunidade cristã que queira contemplar melhor o rosto de Cristo, segundo o espírito que sugeri nas cartas apostólicas Novo millennioineunte e RosariumVirginisMariae, não pode deixar de desenvolver também este aspecto do culto eucarístico, no qual perduram e se multiplicam os frutos da comunhão do corpo e sangue do Senhor” ( Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, João Paulo ll , 25).

Muitas vezes encontramos muita miséria humana: quantos problemas, quantos sofrimentos, quanta desilusão e quanto amor negado!

Às vezes há problemas que não têm solução, há dor que nenhum analgésico cura, há escuridão onde a luz não penetra! E Cristo nos repete: “Vinde a mim todos vós que estais cansados…e eu vos aliviarei”. Só Ele poderá aliviar o peso de nossos sofrimentos…

Mons. José Maria Pereira

sábado, 1 de julho de 2017

HOMILIA DOMINICAL



      Homilia de Mons. José Maria Pereira
Solenidade de São Pedro e São Paulo
Duas Colunas da Igreja

Celebramos hoje a festa de dois Apóstolos, colunas da Igreja: São Pedro e São Paulo. Duas figuras tão diferentes, que,  no entanto, se uniram no testemunho de Cristo até à morte. Pedro é objeto de uma atenção especial por parte de Cristo. Homem corajoso e decidido, que confessa sua fé em Cristo, está disposto a acompanhá-Lo em sua paixão, caminha sobre as águas, quer defender o seu Mestre, mas ao mesmo tempo tão frágil a ponto de trair o seu Mestre, negando conhecê-Lo por três vezes. Mas é sobre esta fragilidade fundamentada na fé que Cristo quer edificar a Sua Igreja.
Em Roma, à frente da Basílica de São Pedro, estão colocadas duas estátuas imponentes dos Apóstolos Pedro e Paulo, facilmente identificáveis pelas respectivas prerrogativas: as chaves na mão de Pedro e a espada na mão de Paulo. Desde sempre a tradição cristã tem considerado São Pedro e São Paulo inseparáveis: na verdade, juntos, representam todo o Evangelho de Cristo.

N o Evangelho ( Mt 16, 13 – 19,  Jesus pergunta aos seus: “E vós, quem dizeis que Eu sou? Respondeu Simão Pedro e disse: Tu és o Cristo de Deus vivo” . Mal pronunciou estas palavras, Cristo prometeu-lhe solenemente o primado sobre toda a Igreja. Em resposta, o Senhor revela-lhe a missão que pretende confiar-lhe, ou seja, a de ser a “pedra”, a “rocha”, o fundamento visível sobre o qual está construído todo o edifício espiritual da Igreja (cf. Mt 16, 16 – 19 ). Mas, de que modo Pedro é a rocha? Como deve realizar esta prerrogativa, que naturalmente não recebeu para si mesmo? A narração do evangelista Mateus começa por nos dizer que o reconhecimento da identidade de Jesus proferido por Simão, em nome dos Doze, não provém “da carne e do sangue”, isto é, das suas capacidades humanas, mas de uma revelação especial de Deus Pai.

O primado de Pedro e de seus sucessores está claro no Evangelho (cf. tb. Jo 21, 15). Pedro exerceu este primado, como encontramos nos Atos dos Apóstolos (At. 1, 15; 2, 14; 3, 6; 10, 1; 9, 32; 15, 7-2). Pedro foi bispo de Roma, onde foi sepultado. Santo Inácio de Antioquia refere-se à Igreja de Roma como a “que preside a aliança do amor.”

Santo Irineu de Lião fala da “Igreja romana, a mais antiga, a maior, a conhecida de todos, fundada pelos gloriosos apóstolos Pedro e Paulo” com a qual todas as outras, em virtude de sua posição de prioridade devem estar de acordo.

O Papa é o representante de Cristo na terra (seu vigário), o fundamento da unidade da Igreja.

A ordem de Jesus foi: “Apascenta os meus cordeiros… apascenta as minhas ovelhas!” (Jo. 21, 15-17). Era a investidura no supremo poder! A Igreja sem o Papa seria um barco sem timoneiro!

Jesus quis fundar a sua Igreja tendo Pedro e seus sucessores à frente dela. Em dois mil anos de Cristianismo, até hoje, Pedro teve 266 sucessores! Pedro, Lino, Cleto, Clemente… João Paulo II, Bento XVI, Francisco. Podemos dizer, ontem Pedro, hoje Francisco. Agradeçamos a Deus por pertencermos à Igreja fundada por Cristo que é “Una, Santa, Católica e Apostólica, edificada por Jesus Cristo, sociedade visível instituída com órgãos hierárquicos e comunidade espiritual simultaneamente (…); fundada sobre os Apóstolos e transmitindo de geração em geração a sua palavra sempre viva e os seus poderes de Pastores no Sucessor de Pedro e nos Bispos em comunhão com ele; perpetuamente assistida pelo Espírito Santo” (Paulo VI, Credo do Povo de Deus).

Dizia São JosemariaEscrivá: “O amor ao Romano Pontífice há de ser em nós uma bela paixão, porque nele vemos Cristo.”

Também S. Paulo é hoje apresentado na cadeia (2 Tm. 4, 6-8. 17-18), na sua última prisão que terminará com o seu martírio. O Apóstolo está consciente da sua situação; porém, as suas palavras não revelam amargura, mas a serena satisfação de ter gasto a sua vida pelo Evangelho: “aproxima-se o momento de minha partida. Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça…” .
A iconografia tradicional apresenta São Paulo com a espada, e sabemos que esta representa o instrumento do seu martírio. Mas, repassando os escritos do Apóstolo dos Gentios, descobrimos que a imagem da espada se refere a toda a sua missão de evangelizador. Por exemplo, quando já sentia aproximar –se a morte, escreve a Timóteo: “Combati o bom combate” ( 2Tm 4, 7 ); aqui não se trata seguramente do combate de um comandante, mas daquele de um arauto da Palavra de Deus, fiel a Cristo e à sua Igreja, por quem se consumou totalmente. Por isso mesmo, o Senhor lhe deu a coroa de glória e colocou – o, juntamente com Pedro, como coluna no edifício espiritual da Igreja.

 “Escolheu-nos antes da constituição do mundo” (Ef 1, 4). E continua São Paulo: “chamou-nos com vocação santa, não em virtude das nossas obras, mas em virtude do seu desígnio” (2 Tm. 1, 9).

A vocação é um dom que Deus preparou desde toda a eternidade. Todos nós recebemos, de diversas maneiras, uma chamada concreta para servir o Senhor. E ao longo da vida chegam-nos novos convites para segui-Lo, e temos de ser generosos com Ele em cada encontro. Temos de saber perguntar a Jesus na intimidade da oração, como São Paulo: Que devo fazer, Senhor?, que queres que eu deixe por Ti?, em que desejas que eu melhore? Neste momento da minha vida, que posso fazer por Ti?

O Senhor chama todos os cristãos à santidade; e é uma vocação exigente, muitas vezes heróica, pois Ele não quer seguidores tíbios, discípulos de segunda classe; se quiser ser discípulo do Mestre, deve imprimir um sentido apostólico à sua vida: um sentido que o levará a não deixar passar nenhuma oportunidade de aproximar os outros de Cristo, que é aproximá-los da fonte de alegria, da paz e da plenitude.

Temos de pedir hoje a São Paulo que saibamos converter em oportuna qualquer situação que se nos apresente. Quem verdadeiramente ama a Cristo sentirá a necessidade de O dar a conhecer, pois, como diz São Tomás de Aquino, aquilo que os homens muito admiram divulgam-no logo, porque da abundância do coração fala a boca”.

Relembrando o ardor missionário de São Pedro e São Paulo que o Senhor nos conceda o mesmo entusiasmo para sermos discípulos e missionários de Cristo.

A exemplo da Igreja primitiva que rezava por Pedro enquanto estava na prisão (At 12, 5) estejamos unidos em oração pelo Santo Padre o Papa Francisco!

Mons. José Maria Pereira