Fraquezas, Conversão e Missão.
Mons. José Maria Pereira
A Palavra de Deus deste Domingo (Mc 10,35-45) volta
ao mistério da salvação que passa pela cruz. Um contraste!... Enquanto Jesus
anunciava, pela terceira vez, a sua paixão, os filhos de Zebedeu pedem:
“Concede-nos que, na Tua glória, nos sentemos, um à Tua direita e outro à Tua
esquerda”. O homem procura sempre fugir ao sofrimento e garantir, por outro
lado, as honras; Jesus, porém, desengana-o: quem quiser tomar parte na Sua
glória, terá que beber com Ele o cálice amargo do sofrimento: “podeis beber o
cálice que Eu vou beber?”
É admirável a humildade dos Apóstolos que não
dissimularam os seus momentos anteriores de fraqueza e de miséria, mas as
cantaram com sinceridade aos primeiros cristãos. Deus quis também que no
Evangelho ficasse notícia histórica daquelas primeiras fraquezas dos que seriam
colunas da Igreja. São as maravilhas que a graça de Deus opera nas almas! Nunca
devemos ser pessimistas ao considerar as nossas próprias misérias: “Tudo posso
naquele que me dá força” (Fl 4, 13).
Quando pedimos algo na oração devemos estar
dispostos a aceitar, acima de tudo, a vontade de Deus, ainda que não coincida
com os nossos desejos: “Sua Majestade sabe melhor o que nos convém; não temos
que aconselhá-Lo- sobre o que nos há de dar, pois pode com razão dizer-nos que
não sabemos o que pedimos” (Moradas, II, 8).
Como o discípulo diante do mestre, como o menino
junto da sua mãe, assim deve estar o cristão em todas as suas ocupações diante
de Cristo. O filho aprende a falar ouvindo a sua mãe, esforçando-se por copiar
as suas palavras; da mesma forma, vendo Jesus fazer e agir, aprendemos a
conduzir-nos como Ele. A vida cristã consiste na imitação da Vida do Mestre,
pois Ele se encarnou “deixando-vos o exemplo, para sigais os seus passos” (1Pd
2,21). São Paulo exortava os primeiros cristãos a imitarem o Senhor com estas
palavras: “Haja entre vós o mesmo sentir e pensar que no Cristo Jesus” (Fl
2,5). Somos chamados à comunhão com Cristo, à santidade!
A nossa santidade não consiste tanto numa imitação
externa de Jesus, mas em permitir que o nosso ser mais profundo se vá
configurando com Cristo. “Despojai-vos do homem velho com todas as suas obras e
revesti-vos do homem novo...” (Cl 3,9), recomendava São Paulo aos Colossenses.
Esta renovação diária significa purificar
constantemente os nossos costumes, corrigir-se dos defeitos humanos e morais,
suprimir o que não combina com a vida de Cristo...
Mas significa sobretudo procurar que os nossos
sentimentos sobre as pessoas, sobre as realidade criadas, sobre a
tribulação, se pareçam cada dia mais com
os que teve Jesus em circunstâncias semelhantes, de tal maneira que a nossa
vida seja, em certo sentido, um prolongamento da sua, pois Deus nos predestinou
para sermos conformes com a imagem do
seu Filho (Rm 8, 29).
Hoje é o Dia Mundial das Missões. Neste ano de 2015,tem como pano
de fundo o Ano da Vida Consagrada, que serve de estímulo para a sua oração e
reflexão. Na verdade, entre a vida
consagrada e a missão subsiste uma forte ligação, porque, se
todo o baptizado é chamado a dar testemunho do Senhor Jesus, anunciando a fé
que recebeu em dom, isto vale de modo particular para a pessoa consagrada. O
seguimento de Jesus, que motivou a aparição da vida consagrada na Igreja, é reposta
à chamada para se tomar a cruz e segui-Lo, imitar a sua dedicação ao Pai e os
seus gestos de serviço e amor, perder a vida a fim de a reencontrar. E, dado
que toda a vida de Cristo tem carácter missionário, os homens e mulheres que O
seguem mais de perto assumem plenamente este mesmo carácter.
A dimensão missionária, que pertence à própria natureza da Igreja,
é intrínseca também a cada
forma de vida consagrada, e não pode ser transcurada sem deixar um vazio
que desfigura o carisma. A missão não é proselitismo, nem mera estratégia; a
missão faz parte da «gramática» da fé, é algo de imprescindível para quem se
coloca à escuta da voz do Espírito, que sussurra «vem» e «vai». Quem segue
Cristo não pode deixar de tornar-se missionário, e sabe que Jesus «caminha com
ele, fala com ele, respira com ele, trabalha com ele.Sente Jesus vivo com ele,
no meio da tarefa missionária» (Exort. ap. Evangeliigaudium, 266).
A missão é uma paixão
por Jesus Cristo e, ao mesmo
tempo, uma paixão pelas
pessoas. Quando nos detemos em oração diante de Jesus crucificado,
reconhecemos a grandeza do seu amor, que nos dignifica e sustenta e,
simultaneamente, apercebemo-nos de que aquele amor, saído do seu coração
trespassado, estende-se a todo o povo de Deus e à humanidade inteira; e,
precisamente deste modo, sentimos também que Ele quer servir-Se de nós para
chegar cada vez mais perto do seu povo amado (cf. Ibid., 268) e
de todos aqueles que O procuram de coração sincero. Na ordem de Jesus – «Ide»
–, estão contidos os cenários e os desafios sempre novos da missão
evangelizadora da Igreja. Nesta, todos são chamados a anunciar o Evangelho pelo
testemunho da vida; e, de forma especial aos consagrados, é pedido para ouvirem a voz do Espírito que os
chama a partir para as grandes periferias da missão, entre os povos onde
ainda não chegou o Evangelho.
Hoje, a missão enfrenta o desafio de respeitar a necessidade que
todos os povos têm de recomeçar
das próprias raízes e salvaguardar os valores das respectivas culturas. Trata-se de conhecer e respeitar
outras tradições e sistemas filosóficos e reconhecer a cada povo e cultura o
direito de fazer-se ajudar pela própria tradição na compreensão do mistério de
Deus e no acolhimento do Evangelho de Jesus, que é luz para as culturas e força
transformadora das mesmas.
Para viver o testemunho cristão e os sinais do amor do Pai entre
os humildes e os pobres, os consagrados são chamados a promover, no serviço da
missão, a presença dos fiéis
leigos. Como já afirmava o
Concílio Ecuménico Vaticano II, «os leigos colaboram na obra de evangelização
da Igreja e participam da sua missão salvífica, ao mesmo tempo como testemunhas
e como instrumentos vivos» (Ad
gentes, 41).
É necessário que os consagrados missionários se abram, cada vez mais
corajosamente, àqueles que estão dispostos a cooperar com eles, mesmo durante
um tempo limitado numa experiência ao vivo. São irmãos e irmãs que desejam partilhar a vocação missionária
inscrita no Baptismo. As
casas e as estruturas das missões são lugares naturais para o seu acolhimento e
apoio humano, espiritual e apostólico.
As Instituições e
as Obras Missionárias da Igreja estão
postas totalmente ao serviço daqueles que não conhecem o Evangelho de Jesus.
Para realizar eficazmente este objectivo, aquelas precisam dos carismas e do
compromisso missionário dos consagrados, mas também os consagrados precisam
duma estrutura de serviço, expressão da solicitude do Bispo de Roma para
garantir de tal modo a koinonia que a colaboração e a sinergia façam
parte integrante do testemunho missionário. Jesus colocou a unidade dos
discípulos como condição para que o mundo creia (cf. Jo 17, 21). A referida convergência não
equivale a uma submissão jurídico-organizativa a organismos institucionais, nem
a uma mortificação da fantasia do Espírito que suscita a diversidade, mas
significa conferir maior eficácia à mensagem evangélica e promover aquela
unidade de intentos que é fruto também do Espírito.
Queridos irmãos e irmãs, a paixão do missionário é o Evangelho.
São Paulo podia afirmar: «Ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16). O Evangelho é fonte de
alegria, liberdade e salvação para cada homem. Ciente deste dom, a Igreja não
se cansa de anunciar, incessantemente, a todos «O que existia desde o
princípio, O que ouvimos, O que vimos com os nossos olhos» (1 Jo 1, 1). A missão dos servidores da
Palavra – bispos, sacerdotes, religiosos e leigos – é colocar a todos, sem
excluir ninguém, em relação pessoal com Cristo. No campo imenso da actividade
missionária da Igreja, cada baptizado é chamado a viver o melhor possível o seu
compromisso, segundo a sua situação pessoal. Uma resposta generosa a esta
vocação universal pode ser oferecida pelos consagrados e consagradas através
duma vida intensa de oração e união com o Senhor e com o seu sacrifício
redentor.
Ao mesmo tempo que confio a Maria, Mãe da Igreja e modelo de
missionariedade, todos aqueles que, ad
gentes ou no próprio território, em todos os estados de vida, cooperam no anúncio do
Evangelho, de coração concedo a cada um a Bênção Apostólica.
Vaticano, 24 de Maio – Solenidade de Pentecostes – de 2015.
FRANCISCO
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