sábado, 18 de outubro de 2014

Homilía Dominical dia 19/10/2014 - Mt 22,15-21



Dar a Deus ou a César?
Mons. José Maria Pereira







No Evangelho (Mt 22,34-40), Jesus responde a uma pergunta política.
Discípulos dos fariseus e herodianos, favoráveis ao poder romano, fazem uma pergunta capciosa: “É permitido ou não pagar tributo a César?”
Se dissesse SIM: apareceria como colaborador da dominação romana.
Se dissesse NÃO: seria denunciado às autoridades romanas como subversivo.
Jesus percebe a armadilha. Pede uma moeda e pergunta:
“De quem é essa imagem?”
“Dai, pois, a César o que é de César...” e acrescenta: “... a Deus o que é de Deus.”
Jesus dá uma resposta cheia de profundidade divina, que soluciona com toda a exatidão o problema que lhe tinham proposto, mas ao mesmo tempo vai muito além do que lhe tinham perguntado. Não se limita ao sim ou ao não. Dai a César o que é de César, diz-lhes. Quer dizer, dai-lhe aquilo que lhe corresponde,mas não mais do que isso, porque o Estado não tem um poder e domínio absolutos.
As autoridades públicas estão gravemente obrigadas a comportar-se com equidade e justiça na distribuição dos ônus e benefícios; a servir o bem comum sem buscar o proveito pessoal; a legislar e governar com o mais pleno respeito pela lei natural e pelos direitos da pessoa: em favor da vida desde o momento de sua concepção, que é o primeiro de todos os direitos; da família , que é a origem da sociedade;da liberdade religiosa;do direito dos pais à educação dos filhos... Ai dos que decretam leis iníquas! , clama o Senhor por boca do profeta Isaías. Rezar pelos que estão constituídos em autoridade em autoridade é um dever de todos os cristãos , pois é muito grande a responsabilidade que pesa sobre eles.
Por sua vez, como cidadãos iguais aos outros, os cristãos têm “o dever de prestar à nação os serviços materiais e pessoais exigidos pelo bem comum”. Devem ser homens e mulheres que cumprem escrupulosamente os seus deveres para com a sociedade, para com o Estado, para com a empresa em que trabalham... Não devem existir colaboradores mais leais na promoção do bem comum.
Esta fidelidade é para os cristãos um dever de consciência, pois diz respeito a prestações que se enquadram no seu caminho de santidade. O pagamento dos impostos justos, o exercício responsável do voto, a colaboração das iniciativas que tem em vista o bem público, a intervenção na política quando a pessoa se sente chamada a isso..., são tarefas próprias de qualquer cidadão, mas no cristão tornam-se veículo para o exercício das virtudes da justiça e da caridade; são portanto meio de santificação.Examinemos hoje diante do Senhor se verdadeiramente podemos ser exemplo para muitos pela nossa colaboração, pelo sentido positivo com que nos dispomos sempre a promover o bem de todos.
Diante da pergunta dos fariseus e herodianos, o Senhor reconheceu a competência do poder civil e seus direitos, mas avisou claramente que devem ser respeitados também os direitos superiores de Deus, pois a atividade do homem não se reduz ao que cai sob o âmbito da ordem social ou política. Existe nele uma dimensão religiosa profunda, que informa todas as tarefas que leva a cabo e que constitui sua máxima dignidade. Por isso, sem que ninguém lhe perguntasse, o Senhor acrescentou: “Dai...a Deus o que é de Deus.”
Quando o cristão atua na vida pública, no ensino, em qualquer iniciativa cultural..., não pode ocultar a sua fé, pois “a distinção estabelecida por Cristo não significa de modo algum, que a religião tenha que ser relegada ao templo – à sacristia – , nem que a ordenação dos assuntos humanos deva ser feita à margem de toda lei divina e cristã.” Antes pelo contrário os cristãos devem ser sal e luz no lugar onde se encontram, devem converter o mundo – sua vida- num lugar mais humano e habitável, onde os homens encontrem com facilidade o caminho que leva a Deus.
Os fiéis leigos cumprem “esta missão da Igreja no mundo, antes de tudo por aquela coerência da vida com a fé, pela qual se transformam em luz do mundo; pela honestidade em qualquer negócio, honestidade que atrai todos os homens para o amor da verdade e do bem e afinal para Cristo e a Igreja; pela caridade fraterna, pela qual participam das condições de vida,  trabalhos, dores e aspirações dos irmãos, dispondo insensivelmente os corações de todos para a ação salutar da graça; pela consciência plena da parte que lhes toca na edificação da sociedade, com a qual procuram cumprir com magnanimidade cristã a sua atividade doméstica, social e profissional.”

Por essa razão, não podemos refugiar-nos numa atitude encolhida, preocupada pelas opções que nos são vedadas. Podemos oferecer à sociedade uma grande contribuição, como o fizeram os cristãos dos primeiros tempos! Devemos saber que, se tivermos uma consciência bem formada nos critérios básicos, poderemos prestar um bem imenso aos nossos concidadãos. Temos nas nossas mãos uma grande luz no meio de tanta escuridão!
Não é assim que conseguiremos dar a Deus o que é de Deus, mas com o testemunho de uma vida coerente, sentindo-nos filhos de Deus tanto na praça pública como na conversa amável em casa de uns amigos, persuadidos de que só no seio da Igreja se guardam os valores que podem preencher  esse “tremendo vazio moral e religioso”. Uma sociedade sem esses valores está voltada para uma crescente agressividade e também para uma progressiva desumanização. Deus não é “uma estrela longínqua”, inoperante, mas uma poderosa luz que dá sentido a todos os afazeres humanos. Somos nós, os cristãos, que, unidos a outros homens de boa vontade, temos a possibilidade de salvar este mundo. Como havemos de permanecer encolhidos?
... A Deus o que é de Deus. A vida dos homens desde a sua concepção, pertence ao Senhor; como também a família, santificada em Nazaré, baseada num matrimônio indissolúvel, conforme Ele mesmo o declarou com grande escândalo dos que o escutavam; e a consciência dos homens, que deve ser bem formada para que seja luz que ilumine os caminhos de cada um...Tudo que há em nossa vida pertence ao Senhor; como poderemos então reservar para nós parcelas em que Ele não possa estar presente?

Peçamos a Nossa Senhora que nos dê a alegria santa de nos sentirmos a cada momento e acima de tudo filhos de Deus, da família de Deus, e de agirmos como tais no exercício de nossa responsabilidade pessoal.

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