O
Patrão Generoso
Mons.
José Maria Pereira
“Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos,
e vossos caminhos não são os meus”, diz o Senhor (Is 55,8).
O
homem não pode reduzir Deus à medida dos seus pensamentos, nem condicionar o
comportamento do Altíssimo às suas categorias de justiça e de bondade. Deus
está muito acima do homem, muito mais do que está o céu acima da terra (Is
55,9); por isso, muitas vezes os projetos da sua providência são
incompreensíveis à inteligência humana, que os deve aceitar com humildade, sem
pretender adivinhá-los ou julgá-los. Quantas vezes ficamos aquém das maravilhas
que Deus nos preparou!Quantas vezes os nossos planos se revelam tão estreitos!
É
este o ensinamento profundo contido na parábola dos trabalhadores da vinha (Mt
20,1-16).
Trata-se
de um patrão que saiu de manhã cedo para contratar trabalhadores para a sua
vinha.Combina com eles um denário por dia.Torna a sair pelas nove,pelo meio
dia, pelas três da tarde e pelas cinco da tarde. Chegado o fim do dia, manda pagar
a todos o mesmo salário, a começar pelos últimos. Os primeiros murmuraram,
pensando que haviam de receber mais. O patrão mostra que não é injusto para com
os primeiros, e defende o direito de fazer o bem.
Esta
parábola pode aplicar-se ao povo judeu, que passou para o último lugar porque
não reconheceu o dom de Deus. Depois chamou também os gentios. Todos são chamados
com o mesmo direito a fazer parte do novo Povo de Deus, que é a Igreja. Para
todos o convite é gratuito.Por isso, os Judeus, que foram chamados primeiro,
não teriam razão ao murmurar contra Deus pela escolha dos últimos, que têm o
mesmo prêmio: fazer parte do Seu Povo. À primeira vista, o protesto dos
trabalhadores da primeira hora parece justo. E parece-o, porque não compreendeu
que poder trabalhar na vinha do Senhor é um dom divino.Jesus deixa claro com a
parábola que são diversos os caminhos pelos quais chama, mas que o prêmio é
sempre o mesmo: o Céu!
Com
esta parábola o Senhor não deseja dar-nos uma lição de moral salarial ou
profissional, mas sublinhar que, no mundo da Graça, tudo é um puro dom, mesmo o
que parece ser um direito que nos assiste pelas nossas boas obras.
Os
que fomos chamados a diferentes horas para trabalhar na vinha do Senhor, só
temos motivos de agradecimento.A chamada, em si mesma, já é uma honra.”Não há
ninguém, afirma São Bernardo,que, por pouco que reflita, não encontre em si
mesmo poderosos motivos que o obriguem a mostrar-se agradecido a Deus.E
especialmente nós, porque o Senhor nos escolheu para si e nos guardou para o
servirmos somente a Ele”.
É
imenso o trabalho na vinha do Senhor!
O
patrão insiste com mais energia no seu convite: “Ide vós também para a minha
vinha”.
Podemos
ficar indiferentes diante de tantos que não conhecem a figura de Cristo? No
campo do Senhor há trabalho para todos! Deus não chega nem demasiado cedo nem
demasiado tarde às nossas vidas. O que Ele quer é que, a partir do momento em
que nos visitou na sua misericórdia, nos sintamos verdadeiramente comprometidos
a trabalhar na sua vinha, com todas as forças e com todo o entusiasmo, sem nos
esquivarmos com promessas futuras, nem desanimarmos com o tempo perdido.
Não
são gratas ao Senhor as queixas estéreis, que revelam falta de fé, ou mesmo um
sentido negativo e cético do ambiente que nos rodeia. Esta é a vinha e este é o
campo em que o Senhor quer que estejamos, inseridos nessa sociedade que
apresenta os seus valores e deficiências. É na nossa própria família, e não em
outra, que devemos santificar-nos , e é essa família que devemos levar a Deus;
e o trabalho que nos espera hoje, na Universidade ou no escritório, e não
outro, que devemos converter em trabalho de Deus...Esta é a vinha do Senhor,
onde Ele quer que trabalhemos sem falsas desculpas, sem saudosismos, sem
exagerar as dificuldades, sem esperar oportunidades melhores.
Para
levarmos a cabo este apostolado, temos todas as graças necessárias. É nisto que
se fundamenta todo o nosso otimismo.Deus chama-me e envia-me como trabalhador
para a sua vinha; chama-me e envia-me a trabalhar para o advento do seu Reino
na história: esta vocação e missão pessoal define a dignidade e a
responsabilidade de cada fiel leigo e constitui o ponto forte de toda a ação
formativa.
O
Senhor quer nos mostrar que no mundo da Graça não se podem fazer valer quaisquer
direitos. É certo que o homem deve colaborar na sua salvação eterna, mas esta é
um bem tão sublime que jamais deixa de ser um dom, até mesmo para as almas mais
santas.
Deus
pode chamar a qualquer hora e o homem deve estar sempre pronto para responder
ao Seu chamamento. “Buscai o Senhor, enquanto pode ser achado; invocai-o,
enquanto Ele está perto” (Is 55,6).
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