Condições para Seguir Jesus
O Evangelho (Lc 14, 25-33)
ensina que a verdadeira sabedoria, que nos leva à salvação, consiste no
seguimento radical de Cristo; multidões O seguiam e Jesus voltando-se,
disse-lhes: “Se alguém vem a Mim, e não odeia pai e mãe, mulher, filhos,
irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser Meu discípulo”.
Odiar na linguagem bíblica, ou
renunciar, segundo o uso semítico, significa amar menos, pospor, como se pode
apreciar no texto paralelo de Mt 10, 37: “Quem amar o pai ou a mãe mais do que
a Mim, não é digno de Mim”.
Só Deus tem o direito ao primado absoluto no
coração e na vida do homem; Jesus é Deus e, por conseguinte, é lógico que o
exija como condição indispensável para ser Seu discípulo. “Mas o Senhor,
comenta S. Ambrósio, não manda nem desconhecer a natureza nem ser escravo dela;
manda atender à natureza de tal maneira que se venere o Seu Autor e não
afastar-se de Deus por amor aos pais”. Isto é válido para todos, mesmo para os simples
cristãos, como para todos é válida também a frase seguinte: “Quem não carrega
sua Cruz e não caminha atrás de Mim, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27).
Jesus vai a caminho de Jerusalém onde será crucificado e, à multidão que O
segue, declara a necessidade de levar a Cruz com amor e constância. Ele levou a
Cruz até morrer pregado nela; o cristão não pode pensar em levá-la só em alguns
momentos da vida, mas terá que abraçá-la todos os dias, até à morte.
O seguimento de Cristo exige
uma atitude radical de desprendimento de tudo que possa opor-se à proposta de
Jesus. Mesmo os valores mais sagrados, como relacionamento familiar, devem
submeter-se ao valor superior, o do Reino de Deus, à imitação de Jesus Cristo.
Quem deseja ser discípulo de Jesus Cristo deve estar pronto a investir tudo,
até a própria vida, até os valores mais sagrados como as vinculações de sangue
e os bens matérias.
Isso não significa que os
cristãos devam renunciar aos vínculos familiares e aos deveres de membro da
sociedade. Significa antes que são chamados a viverem estes relacionamentos com
liberdade e dedicação, respeitando o valor das pessoas e das coisas, bem como a
própria dignidade.
“Se alguém vem a Mim, mas não odeia o pai, a
mãe...”; estas palavras do Senhor não devem desconcertar ninguém. O amor a Deus
e a Jesus Cristo deve ocupar o primeiro lugar na nossa vida e devemos afastar
tudo aquilo que ponha obstáculos a este amor: “Amemos neste mundo a todos",
comenta São Gregório Magno, ainda que seja ao inimigo; mas odeie-se o que se
nos opõe no caminho de Deus, ainda que seja parente...
Devemos, pois, amar o
próximo; devemos ter caridade com todos; com os parentes e com os estranhos,
mas sem nos afastarmos do amor de Deus por amor deles”. Em última análise,
trata-se de observar a ordem da caridade: Deus tem prioridade sobre tudo.
O Jesus que fala é o mesmo que
manda amar os outros com a própria alma e entrega a Sua vida pelos homens. A
frase, “se não odiar pai e mãe...” indica simplesmente que perante Deus não
cabem meias-tintas. Poderiam traduzir-se as palavras de Cristo por amar mais,
amar melhor, ou então por não amar com amor egoísta nem também com um amor de
vistas curtas: devemos amar com o Amor de Deus.
“Quem não carrega sua Cruz... não pode ser meu
discípulo” (Lc 14, 27). O caminho do cristão é a imitação de Jesus Cristo. Não
há outro modo de O seguir senão acompanhá-Lo com a própria Cruz. A experiência
mostra-nos a realidade do sofrimento, e que este leva à infelicidade se não se
aceita com sentido cristão. A Cruz não é uma tragédia, mas pedagogia de Deus
que nos santifica por meio da dor para nos identificarmos com Cristo e nos
tornarmos merecedores da glória. Por isso é tão cristão amar a dor: “Bendita
seja a dor. Amada seja a dor. Santificada seja a dor... Glorificada seja a
dor!” (Caminho, 208). “... Qualquer um de vós, se não
renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 33).
Se antes o
Senhor falou de “odiar” os pais e até a própria vida, agora exige com igual
vigor o desprendimento total das riquezas. Esta renúncia das riquezas há de
ser efetiva e concreta: o coração deve estar desembaraçado de todos os bens
matérias para poder seguir os passos do Senhor. Pois, é impossível “servir a
Deus e ao dinheiro” (Lc 16, 13). Dizia São Josemaria Escrivá: “Se és homem de
Deus, põe em desprezar as riquezas o mesmo emprenho que põem os homens do mundo
em possuí-las”. (Caminho, 633).
MONSENHOR JOSÉ MARIA PEREIRA
(Reitor do Seminário Diocesano Nossa Senhora do Amor Divino e SCE das ENS)
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