Um Rei Diferente
Mons. José Maria Pereira
A solenidade de hoje, Jesus Cristo, Rei do Universo, no
último domingo do ano litúrgico, é como uma síntese de todo o mistério
salvífico. Com ela encerra-se o ano litúrgico: depois de termos celebrado todos
os mistérios da vida do Senhor, apresenta-se agora à nossa consideração Cristo
glorioso, Rei de toda a criação e das nossas almas. Ainda que as festas da
Epifania, Páscoa e Ascensão sejam também festas de Cristo Rei e Senhor de todas
as coisa criadas, a de hoje foi especialmente instituída para nos mostrar Jesus
como único soberano de uma sociedade que parece querer viver de costas para
Deus.
Os textos bíblicos da festa de
hoje salientam o amor de Cristo-Rei, que veio estabelecer o seu reinado. O
profeta Daniel (Dn 7, 13-14) descreve a investidura real que o Filho do Homem
recebe diretamente do Pai: A ele foram dados império, glória e realeza [...] o
seu reino jamais será destruído. Em Ap 1, 5-8 (segunda leitura) nos é
apresentado o Cordeiro imolado sobre o trono de sua glória; agora todas as
tribos da terra baterão no peito por causa dele, também aquelas que o
transpassaram. A pergunta de Pilatos: Que é a verdade?, tem aqui sua plena
resposta: esta é a verdade: Jesus nos ama e nos libertou com o seu sangue!
Foi com
esta solicitude que o Senhor veio em busca dos homens dispersos e afastados de
Deus pelo pecado. Tanto os amou que deu a vida por eles. Disse São João Paulo
II: “Como Rei, vem para revelar o amor de Deus, para ser o Mediador da Nova
Aliança, o Redentor do homem. O Reino instaurado por Jesus Cristo atua como
fermento e sinal de salvação a fim de construir um mundo mais justo, mais
fraterno, mais solidário, inspirado nos valores evangélicos da esperança e da
futura bem-aventurança a que todos estamos chamados. Por isso, no Prefácio da
Missa de hoje, fala-se de Jesus que ofereceu ao Pai um reino de verdade e de
vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz.”
Assim é o
Reino de Cristo, do qual somos chamados a participar e que somos convidados a
dilatar mediante um apostolado fecundo. O Senhor deve estar presente nos nossos familiares, amigos,
vizinhos, companheiros de trabalho... “Perante os que reduzem a religião a um
cúmulo de negações, ou se conformam com um catolicismo de meias-tintas; perante
os que querem por o Senhor de cara contra a parede, ou coloca-lo num canto da
alma..., temos de afirmar, com as nossas palavras e com as nossas obras, que
aspiramos a fazer de Cristo um autêntico Rei de todos os corações..., também
dos deles” (São Josemaria Escrivá, Sulco, nº 608)
A atitude
do cristão não pode ser de mera passividade em relação ao reinado de Cristo no
mundo. Nós desejamos ardentemente esse reinado. “Venha a nós o vosso Reino”,
rezamos na oração do Pai-Nosso. É necessário que Cristo reine em primeiro lugar
na nossa inteligência, mediante o conhecimento da sua doutrina e o acatamento
amoroso dessas verdades reveladas. É necessário que reine na nossa vontade,
para que se identifique cada vez mais plenamente com a vontade divina. É necessário
que reine no nosso coração, para que nenhum amor anteponha ao amor de Deus. É
necessário que reine no nosso corpo, templo do Espírito Santo; no nosso
trabalho profissional, caminho de santidade... “Convém que Ele reine!” (Papa
Pio XI)
No
Evangelho (Jo 18, 33b - 37), Jesus respondeu a Pilatos: “O meu reino não é
deste mundo... Para isso nasci e para isso vim ao mundo...” Não sendo deste
mundo, o Reino de Cristo começa já nesta terra. O seu reinado expande-se entre
os homens quando eles se sentem filhos de Deus, quando se alimentam d’Ele (na
Eucaristia) e vivem para Ele.
Um ladrão
foi o primeiro a reconhecer a sua realeza: “Senhor, lembra-te de mim quando
entrares no teu reino” (Lc 23, 42).
Ouvimos o
Senhor dizer-nos na intimidade do nosso coração: “Eu tenho sobre ti desígnios
de paz e não de aflição” (Jr 29,11). E fazemos o propósito de corrigir no nosso
coração o que não estiver de acordo com o querer de Cristo.
Ao mesmo
tempo, pedimos-lhe que nos reforce a vontade de colaborar na tarefa de estender
o seu reinado ao nosso redor e em tantos lugares em que ainda não o conhecem.
“Venha a
nós o vosso Reino”.
Que esse
Reino venha de fato ao nosso coração e ao coração de todos os homens: Reino de
Verdade e de Vida; Reino de Santidade e de Graça; Reino de Justiça, de Amor e
de Paz...
Sejamos
mensageiros desse Reino, na família, na rua, na sociedade, no ambiente de
trabalho...
Quando rezamos a Oração do Pai Nosso dizemos: “Venha a nós o
vosso reino.”
Orígenes (séc. III)
no Opúsculo sobre a Oração, cap. 25, comenta a expressão “Venha a nós o
teu reino”: “ Se, como afirma nosso Senhor e Salvador, o Reino de Deus não virá
espetacularmente, nem anunciarão que está aqui ou está ali, mas o Reino de Deus
está dentro de nós, pois a palavra está junto de nós, nos lábios e no coração,
sem dúvida, quando pedimos que venha o Reino de Deus, o que pedimos é que este
Reino de Deus, que está dentro de nós, saia, produza fruto e se aperfeiçoe.
Efetivamente, Deus já reina em cada um dos santos, já que estes se submetem a
sua lei espiritual, e desta forma Deus habita neles como em uma cidade bem
governada. Na alma perfeita está presente o Pai, e Cristo reina nela, junto com
o Pai, de acordo com aquelas palavras do Evangelho: viremos a ele e nele
faremos a nossa morada.
Este reino de Deus que está dentro de nós chegará, com a
nossa cooperação, a sua plena perfeição quando se realize o que diz o apóstolo,
isto é, quando Cristo, depois de submeter a ele todos os seus inimigos,
entregue a Deus Pai o seu reino, e assim Deus será tudo em todos. Por isto,
rogando incessantemente com aquela atitude interior que se torna divina pela
ação do Verbo, digamos a nosso Pai que está nos céus: Santificado seja o teu
nome, venha a nós o teu reino.
Com respeito ao Reino de Deus, também se deve ter isto em
consideração: do mesmo modo que não existe relação entre a luz e as trevas, nem
a justiça com a maldade, nem pode haver acordo entre Cristo e o diabo, assim
também não podem coexistir o Reino de Deus e o reino do pecado.
Portanto, se queremos que Deus reine em nós, procuremos que
de forma alguma o pecado continue dominando o nosso corpo mortal, antes,
mortifiquemos tudo o que de terreno existe em nós e frutifiquemos pelo
Espírito; desta forma, Deus passeará por nosso interior como por um paraíso espiritual
e reinará em nós somente com o seu Cristo, o qual se sentará em nós à direita
daquela virtude espiritual que desejamos alcançar: se sentará até que todos os
seus inimigos que existem em nós sejam colocados por escabelo de seus pés, e
sejam reduzidos a nada em nós todos os principados, todos os poderes e todas as
forças.
Tudo isto pode realizar-se em cada um de nós, e o último
inimigo, a morte, pode ser reduzida a nada, de modo que Cristo diga também em
nós: ó morte, onde está tua vitória? Ó morte, onde está teu aguilhão? Agora
mesmo este nosso ser, corruptível, deve revestir-se de santidade e de
incorrupção, e este nosso ser, mortal, deve revestir-se de imortalidade do Pai,
depois de ter aniquilado o poder da morte, para que assim, reinando Deus em
nós, já comecemos a desfrutar dos bens da regeneração e da ressurreição.”.
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