Os
Dez Mandamentos
Mons. José Maria Pereira
A Quaresma é
um tempo de conversão e de renovação. Mas não acontece verdadeira e autêntica
renovação se não se passa por uma corajosa revisão da própria vida moral e da
própria vida litúrgica ; com palavras mais simples, dos próprios costumes e da
própria oração.
Ensina São Leão Magno: “A Quaresma é tempo
de limpar e enfeitar a casa por dentro. Convém que vivamos sempre de modo sábio
e santo, dirigindo nossa vontade e nossas ações para aquilo que sabemos agradar
a Deus.”
A liturgia do terceiro domingo nos
apresenta, na primeira leitura, o trecho de Êxodo 20,1-17, o Decálogo. Não
pronunciarás o nome do Senhor Teu Deus em vão; lembra-te de santificar o dia de
sábado; honra teu pai e tua mãe; não matarás; não cometerás adultério; não
furtarás; não levantarás falso testemunho ; não cobiçarás as coisas do teu
próximo; não desejarás a mulher do teu próximo.
Estes dez mandamentos foram a base da vida
moral, antes do povo hebreu e depois do povo cristão. Não contém toda a lei;
sua forma negativa (“não fazer”) indica que se trata de alguns limites que
delimitam um âmbito moral, antes que descrevê-lo positivamente; dentro devem
ser colocados “toda a lei e os profetas” e de maneira especial o mandamento do
amor que os resume a todos (Mt 22,40). É precisamente este caráter “negativo”
que assegura aos dez mandamentos sua perene, imutável atualidade.
No início, eles não são percebidos nem mesmo
como lei, mas como evento: o povo entra na aliança com Deus e os mandamentos
são um sinal de sua pertença ao Senhor; são a proclamação de seu caráter de
povo eleito, diferente de todos, isto é, santo. Daqui o fato, surpreendente
para nós, de que Israel não fala da lei como um peso, ou de uma imposição, mas
como de um dom sumamente grande, de um facho que ilumina meus passos (Sl
118,105); fala dela com paixão e com um desmedido orgulho: Ditosos somos nós,
Israel, porque a nós foi revelado o que agrada a Deus! (Br 4,4).
O Decálogo é uma escolha de vida que Deus
propõe ao homem: Olha que hoje ponho diante de ti a vida com o bem, e a morte
com o mal; observes seus mandamentos, suas leis e seus preceitos [...] para que
vivas e te multipliques [...] se não obedeceres e se te deixares seduzir eu te
declaro neste dia: perecereis (Dt 30,15 ss). O Decálogo é para o homem, não
contra ele; não quer amarrar ou limitar sua liberdade, mas antes soltá-la.
Aquilo que proíbe não é, com efeito, algo arbitrário que desagrada a Deus não
se sabe por que, mas é o que compromete antes de tudo o próprio homem e sua
possibilidade de ter relações equilibradas com os outros, de ser, em outras
palavras, autenticamente homem.
Diz S. Paulo: Nós pregamos Cristo
crucificado [...] força de Deus e sabedoria de Deus (1Cor 1,23). Faz-nos
compreender que agora tudo –inclusive a Lei- toma sentido a partir de Jesus
Cristo. Nós não estamos mais sozinhos diante a lei; entre nós e o Decálogo
existe no meio Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. Ele é a “sabedoria de
Deus” para nós, isto é, a nossa lei.
Para sermos discípulos do Senhor, temos de
seguir o seu conselho: Se alguém quiser vir após de mim, renuncia a si mesmo,
tome a sua cruz e siga-me (Mt 16,24). Não é possível seguir o Senhor sem a
Cruz. As palavras de Jesus Cristo têm plena vigência em todos os tempos, um vez
que foram dirigidas a todos os homens, pois quem não carrega a sua cruz e me
segue - diz-nos Ele a cada um- não pode ser meu discípulo (Lc 14,27).
Carregar a cruz – aceitar a dor e as
contrariedades que Deus permite para nossa purificação, cumprir com esforço os
deveres próprios, assumir voluntariamente a mortificação cristã- é condição
indispensável para seguir o Mestre.
Eis como a Palavra de Deus se torna hoje
ocasião de renovação quaresmal. Ela nos impele com uma força incomum a nos
lavar, a nos purificar, a tirar o mal que há em nossas ações (Is 1,16), a
eliminar o fermento velho, para ser uma massa nova e celebrar assim, dentro em
breve, a festa do Senhor com ázimos de sinceridade e de verdade (1Cor 5,7s).
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