Mons. José Maria Pereira
O
Evangelho, em Lc 10, 38-42, apresenta Jesus a caminho de Jerusalém e que, em
Betânia, é recebido em casa de Marta, irmã de Maria e Lázaro, por quem o Senhor
havia chorado e a quem havia ressuscitado. Na casa dos três irmãos, que Jesus
amava de todo o coração, encontrou Ele a acolhida e o repouso necessários para
descansar, depois de uma longa jornada.
O
diálogo de Jesus com Marta tem um tom familiar cheio de confiança, que nos faz
pensar na grande amizade do Senhor com os três irmãos.
Santo
Agostinho comenta esta cena da seguinte maneira: “Marta ocupava-se em muitas
coisas, dispondo e preparando a refeição do Senhor. Pelo contrário, Maria
preferiu alimentar-se do que dizia o Senhor. Não reparou de certo modo na
agitação contínua de sua irmã e sentou-se aos pés de Jesus, sem fazer outra
coisa senão escutar as Suas palavras. Tinha muito bem compreendido o que diz o
Salmo: “Descansai e vede que Eu sou o Senhor” (Sl 46, 11). Marta consumia-se,
Maria alimentava-se; aquela abarcava muitas coisas, esta só atendia a uma.
Ambas as coisas são boas.”
Por
séculos quis-se apresentar Marta e Maria como dois modelos de vida
contrapostos: em Maria quis-se representar a contemplação, a vida de união com
Deus; em Marta, a vida ativa de trabalho; mas a vida contemplativa não consiste
em estar aos pés de Jesus sem fazer nada: isso seria uma desordem! Os afazeres
de cada um são precisamente o lugar em que encontramos a Deus, “o eixo sobre o
qual assenta e gira a nossa chamada à santidade” (São Josemaria Escrivá). Sem
um trabalho sério, consciente, prestigioso, seria muito difícil, para não dizer
impossível, ter uma vida interior profunda e exercer um apostolado eficaz no
meio do mundo.
A
maioria dos cristãos, chamados a santificar-se no meio do mundo, não se podem
considerar como dois modos contrapostos de viver o cristianismo. Pois, uma vida
ativa que se esqueça da união com Deus é algo inútil e estéril; uma suposta
vida de oração que prescinda da preocupação apostólica e da santificação das
realidades ordinárias também não pode agradar a Deus. A chave está, pois, em
saber unir estas duas vidas, sem prejuízo nem de uma nem de outra. Esta união
profunda entre ação e contemplação pode viver-se de modos muito diversos,
segundo a vocação concreta que cada um recebe de Deus.
O
trabalho, longe de ser obstáculo, há de ser meio e ocasião de uma intimidade
afetuosa com Nosso Senhor, que é o mais importante. Ou seja, é no meio de nossos
trabalhos cotidianos e através deles, não apesar deles, que Deus convida a
maioria dos cristãos a santificar o mundo e a santificação nele, com uma vida
transbordante de oração que vivifique e dê sentido a essas tarefas. A um grupo
numeroso ensinava S. Josemaria Escrivá: “Deveis compreender agora – com uma
nova clareza – que Deus vos chama a servi-Lo nas e a partir das tarefas civis,
materiais, seculares, da vida humana. Deus espera-nos cada dia no laboratório,
na sala de operações de um hospital, no quartel, na cátedra universitária, na
fábrica, na oficina, no campo, no lar, e em todo o imenso panorama do trabalho.
Não esqueçam nunca: há algo de santo, de divino, escondido nas situações mais
comuns, algo que a cada um de nós compete descobrir (...). Não há outro
caminho: ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida de todos os dias, ou não O
encontraremos nunca. Por isso, posso afirmar que a nossa época precisa devolver
à matéria e às situações aparentemente vulgares o seu sentido nobre e original;
pondo-as ao serviço do Reino de Deus, espiritualizando-as, fazendo delas o meio
e a ocasião para o nosso encontro contínuo com Jesus Cristo” (Temas Atuais do
Cristianismo, nº 114). Temos que chegar ao amor de Maria enquanto levamos a
cabo o trabalho de Marta. Pois, o trabalho alimenta a oração e a oração
“embebe” o trabalho. E isto até se chegar ao ponto de o trabalho em si mesmo,
enquanto serviço feito ao homem e à sociedade, se converter em oração agradável
a Deus. Numa palavra, o trabalho é o meio com que nos santificamos.
E
isto é o que verdadeiramente importa: encontrar Jesus no meio desses afazeres
diários, não esquecer em momento algum “o Senhor das coisas”; e menos ainda
quando esses afazeres se referem mais diretamente a Ele, pois, do contrário,
talvez acabássemos por realizá-los com a atenção posta em nós mesmos,
procurando neles somente a nossa realização pessoal, o gosto ou a mera satisfação
de um dever cumprido, e deixando de lado a retidão de intenção, esquecendo o
Mestre.
Marta
ao acolher Jesus em sua casa também nos ensina que devemos abrir o coração para
o próximo, todo o próximo que se aproxima de nós ou de quem nós nos aproximamos.
É toda uma atitude de acolhimento entre os esposos, entre pais e filhos, entre
irmãos, entre os vizinhos, no trabalho, em nossas comunidades paroquiais, etc.
É importante
que acolhamos Jesus como Maria, colocando-nos aos seus pés para ouví-Lo, mas é
importante também que O acolhamos como Marta, proporcionando-Lhe descanso e
alimento, contanto que tudo seja feito no Senhor.
Que a Virgem
Santíssima nos alcance o espírito de trabalho de Marta e a presença de Deus de
Maria, daquela que, sentada aos pés de Jesus, escutava embevecida as suas
palavras.
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