Um amor sem distinção
Mons. José Maria Pereira
O
evangelho, em (Lc 10, 25-37), apresenta Jesus a falar com um doutor da lei
sobre o primeiro mandamento: o amor a Deus e ao próximo. O doutor interroga o
Mestre, não por desejo de aprender, mas “para O experimentar.” “E quem é o meu
próximo?”
Em resposta, Jesus conta a história
do samaritano que socorre o homem caído nas mãos dos ladrões e deixado meio
morto ao lado da estrada. Este é o meu próximo: um homem, um homem qualquer,
alguém que necessita de mim. O Senhor não introduz nenhuma especificação de
raça, amizade ou parentesco. O nosso próximo é qualquer pessoa que esteja perto
de nós e necessite de ajuda. Nada se diz do seu país, nem da sua cultura, nem
da sua condição social: um homem qualquer
No caminho da nossa vida,
encontraremos pessoas feridas, despojadas de tudo e meio mortas, da alma e do
corpo. A preocupação por ajudar os outros, se estamos unidos ao Senhor,
tirar-nos-á do nosso caminho rotineiro, de todo o egoísmo, e dilatará o nosso
coração preservando-nos da mesquinhez. Encontraremos pessoas cobertas de dor
pela falta de compreensão e de carinho, ou necessitadas dos meios materiais
mais indispensáveis; feridas por terem sofrido humilhações que vão contra a
dignidade humana; despojadas, talvez, dos direitos mais fundamentais: situações
de misérias que bradam aos céus. O cristão nunca pode passar ao largo, como
fizeram alguns personagens da parábola.
Nesta passagem do Evangelho
encontramos outro ensinamento fundamental: a Lei de Deus não é algo negativo,
“não fazer”, mais algo claramente positivo, é amor; a santidade, a que todos os
batizados estão chamados, não consiste tanto em não pecar, mas em amar, em
fazer coisas positivas, em dar frutos de amor de Deus. Quando o Senhor nos
descreve o Juízo Final realça esse aspecto positivo da Lei de Deus (Mt 25,
31-46). O prêmio da vida eterna será concedido aos que fizeram o bem. Nesta
parábola do bom samaritano, Santo Agostinho identifica o Senhor com o bom
samaritano, e o homem assaltado pelos ladrões com Adão, origem e figura de toda
a humanidade caída. Levado por essa compaixão e misericórdia, desce à terra
para curar as chagas do homem, fazendo-as suas próprias (Is 53, 4; Mt 8, 17; 1Pd
2, 14; 1 Jo 3, 5).
Essa
mesma compaixão e amor de Jesus Cristo temos de sentir nós, os Cristãos, que
devemos ser discípulos Seus, para não passar nunca do lado oposto perante as
necessidade alheias. Uma concretização do amor ao próximo encontramos nas Obras
de Misericórdia, que se chamam assim porque não são devidas por justiça. São
quatorze: sete espirituais e sete corporais. As espirituais abarcam: ensinar a
quem não sabe, dar bom conselho a quem dele tenha necessidade, corrigir a quem
erra, perdoar as injúrias, consolar o triste, sofrer com paciência as adversidades
e as fraquezas do próximo, e rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos. As
corporais são: visitar os doentes, dar de comer ao faminto, dar de beber ao que
tem sede, redimir o cativo, vestir o nu, dar pousada ao peregrino, e enterrar
os mortos.
O amor ao próximo é muito concreto.
“Com razão se pode dizer que é o próprio Cristo quem nos pobres levanta a voz
para despertar a caridade dos seus discípulos” (GS, 88).
O samaritano não tem uma compaixão
puramente teórica, ineficaz. Antes de mais nada aproximou-se, que é o que
devemos começar por fazer perante a necessidade do próximo.
Nem
sempre se tratará de atos heróicos, difíceis; freqüentemente, serão coisas
simples, muitas vezes pequenas, “pois essa caridade não deve ser procurada
unicamente nos acontecimentos importantes, mas, sobretudo, na vida corrente” (GS,
38)
Jesus conclui o ensinamento com uma
palavra cordial, dirigida ao doutor: “Vai e faze tu o mesmo”. Sê o próximo
inteligente, ativo e compassivo com todo aquele que precisar de ti. Pois, como
ensina São Tomás, “quando é amado o homem, é amado Deus já que o homem é imagem
de Deus”. Quem ama de verdade Deus ama também os seus iguais, porque verá neles
os seus irmãos, filhos do mesmo Pai, redimidos pelo mesmo sangue de Nossa
Senhor Jesus Cristo: “Temos este mandamento de Deus: que o que ame a Deus ame
também o seu irmão” (1 Jo 4, 21). Há, porém, um perigo! Se amamos o homem pelo
homem, sem referência a Deus, este amor converte-se em obstáculo que impede o
cumprimento do primeiro preceito; e então deixa também de ser verdadeiro amor
ao próximo. Mas o amor ao próximo por Deus é prova patente de que amamos a
Deus: “se alguém diz: amo a Deus, mas despreza o seu irmão, é um mentiroso” (1
Jo 4, 20).
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