Homilia do Mons. José Maria
XXII Domingo do Tempo Comum – Ano A
A Loucura da Cruz
Em Mt 16, 21-27, Jesus anuncia aos discípulos a sua Paixão e
Cruz e avisa que o caminho dos discípulos é semelhante. Pedro não concorda e
começa a “repreendê-Lo”.
Jesus rejeita energicamente as insinuações de Pedro e diz:
“Retira-Te, Satanás!Queres fazer-me cair. Pensas de modo humano, não de acordo
com Deus”(Mt 16,23).
Levado pelo seu imenso carinho por Jesus, Simão procura
afastá-Lo do caminho da Cruz, sem compreender ainda que ela será um grande bem
para a humanidade e a suprema demonstração do amor de Deus por nós. Comenta São
João Crisóstomo:”Pedro raciocinava humanamente e concluía que tudo aquilo- a
Paixão e a Morte- era indigno de Cristo e reprovável.”
Pedro, naquele momento, não chega a entender que, por
vontade expressa de Deus, a Redenção se tem de fazer mediante a Cruz e que “não
houve meio mais conveniente de salvar a nossa miséria” (Sto. Agostinho).
Pensando apenas com uma lógica humana, é difícil entender
que a dor, o sofrimento, aquilo que se apresenta como custoso, possa chegar a
ser um bem. Até mesmo porque não fomos feitos para sofrer, pois todos aspiramos
à felicidade.
O medo à dor é um impulso profundamente arraigado em nós, e
a nossa primeira reação é de repulsa.Por isso, a mortificação, a penitência
cristã, tropeça com dificuldades; não é fácil, e, ainda que a pratiquemos
assiduamente, não acabamos nunca de acostumar-nos a ela.
A fé, no entanto, permite-nos vere experimentar que sem
sacrifício não há amor, não há alegria verdadeira, a alma não se purifica, não
encontramos a Deus. O caminho da santidade passa pela Cruz, e todo o apostolado
fundamenta-se nela. Ensinava São João Paulo II: “A Cruz é o livro vivo em que
aprendemos definitivamente quem somos e como devemos atuar. Este livro está
sempre aberto diante de nós”(Alocução, 01/04/1980). Devemos aproximar-nos dele
e lê-lo; nele aprendemos quem é Cristo, o seu amor por nós e o caminho para
segui- Lo. Quem procura a Deus sem sacrifício, sem Cruz, não O encontrará. Para
ressuscitar com Cristo, temos que acompanha – Lo no seu caminho para a Cruz:
aceitando as contrariedades e tribulações com paz e serenidade; sendo generosos
na mortificação voluntária, que nos faz entender o sentido transcendente da
vida e reafirma o senhorio da alma sobre o corpo. Devemos ter em conta que a
Cruz que anuncia Cristo é escândalo para uns e loucura e insensatez para outros
(cf. 1 Cor 1,23).
Hoje vemos também muitas pessoas que não sentem as coisas de
Deus, mas as dos homens. Têm o olhar posto nas coisas da terra, nos bens
materiais, sobre os quais se lançam sem medida, como se fossem os únicos reais
e verdadeiros.Disse Beato Álvaro Del
Portilho:”Este paganismo contemporâneo caracteriza-se pela busca do bem-estar
material a qualquer custo, e pelo correspondente esquecimento – melhor seria
dizer medo, autentico pavor- de tudo o que possa causar sofrimento. Com esta
perspectiva, palavra como Deus, pecado,
cruz, mortificação, vida eterna… acabam por ser incompreensíveis para um
grande número de pessoas, que desconhecem o seu significado e sentido”.
Temos que lembrar a todos que não ponham o coração nas
coisas da terra, que tudo é caduco, que envelhece e dura pouco.”Todos
envelhecerão como uma veste” (Hb 1,11).Somente a alma que luta por
manter-se em Deus permanecerá numa juventude sempre maior até que chegue o
encontro com o Senhor.Todas as outras coisas passam, e depressa.
Jesus recorda-nos hoje:”Que adianta ao homem ganhar o mundo
inteiro, se depois vier a perder a própria
alma? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?”(Mt 16,26).Antes,
falou:”Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por
causa de mim vai encontrá-la.”
O que pensar então? Será que devemos realmente cair fora da
corrente do mundo e renegar – nos como homens para sermos cristãos? Não, porque
a renúncia que Jesus exige é, na realidade, a mais alta auto - realização, é a
nossa verdadeira recuperação: porque perder a nós mesmos é o modo melhor para
nos reencontrar: porque quem perde sua vida vai encontra- la.
De que adiantam fama, dinheiro, divertimentos, se a morte
engole tudo isso? Santo Agostinho diz: “O que adianta viver bem se não se vive
para sempre.”
O cristão não pode passar por alto estas palavras de Jesus
Cristo. Deve arriscar-se, jogar a vida presente em troca de conseguir a
eterna.”Que pouco é uma vida para oferecê-la a Deus!…”(Caminho, nº 4 20).
“Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua
cruz e me siga.” ( Mt 16, 24).
Jesus, com efeito, inaugurou e percorreu pessoalmente este
caminho e por isso “tomar a cruz” significa agora “ir após ele”, colocar os pés
em suas pegadas, segui-Lo. Jesus fala da cruz dos discípulos, depois de ter
falado da sua: O filho do homem irá para Jerusalém, e lá vai sofrer, será
morto...(...).Mas ao terceiro dia ressuscitará.
A exigência do Senhor inclui renunciar à própria vontade
para a identificar com a de Deus, não aconteça que, como comenta São João da
Cruz, tenhamos a sorte de muitos”Que queriam que Deus quisesse o que eles
querem, e entristecem-se de querer o que Deus quer, e têm repugnância em
acomodar a sua vontade à de Deus. Disto vem que muitas vezes, no que não acham
a sua vontade e gosto, pensam não ser da vontade de Deus e, pelo contrário,
quando se satisfazem, crêem que Deus Se satisfaz, medindo também a Deus por si,
e não a si mesmo por Deus”.
“O Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus
anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta”(Mt 16, 27).O
Senhor, com estas palavras, situa cada homem, individualmente, diante do
Juízo Final. A salvação tem, pois, um caráter radicalmente pessoal!
O fim do homem não é ganhar os bens temporais deste mundo,
que são apenas meios ou instrumentos; o fim último do homem é o próprio Deus,
que é possuído como antecipação aqui na terra pela Graça, e plenamente e para
sempre na Glória. Jesus indica qual é o caminho para conseguir esse fim:
negar-se a si mesmo(isto é, tudo o que é comodidade, egoísmo,apego aos bens
temporais) e levar a Cruz. Porque nenhum bem terreno, que é caduco, é
comparável à salvação eterna da alma. Como explica São Tomás: “o menor bem da
graça é superior a todo o bem do universo”(Suma Teológica, I-II, q. 113, a. 9).
Mons. José Maria Pereira