Monsenhor José Maria Pereira
O Fogo do Amor Divino
O fogo aparece frequentemente na Sagrada Escritura
como símbolo do Amor de Deus, que purifica os homens de todas as suas
impurezas. O amor, como fogo, nunca diz basta, tem a força das chamas e
ateia-se no trato com Deus: Ardia-me o coração dentro do peito, ateava-se o
fogo na minha meditação, exclama o Salmista... No dia de Pentecostes, o
Espírito Santo – o Amor Divino- derrama-se sobre os Apóstolos sob a forma de
línguas de fogo que lhes purificam o coração, os inflamam e os preparam para a
missão de estender o Reino de Cristo por todo o mundo.
Jesus diz-nos hoje no Evangelho da Missa: Vim trazer
fogo à terra e que hei de querer senão que arda? Em Cristo, o amor divino
alcança a sua máxima expressão: Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o
seu Filho Unigênito. Jesus entrega voluntariamente a sua vida por nós, e
ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos. Por isso
confidencia-nos também a impaciência santa que o domina enquanto não vir
cumprido o seu batismo, a sua própria morte na Cruz pela qual nos redime e nos
eleva: Tenho que ser batizado com um batismo, e como me sinto ansioso enquanto
não se realizar!
O Senhor quer que o seu amor se ateie no nosso
coração e provoque um incêndio que o invada por completo. Ama-nos com um amor
pessoal e individual, como se cada um de nós fosse o único objeto da sua
caridade. Em nenhum instante cessou de amar-nos, de ajudar-nos, de
proteger-nos, de comunicar-se conosco; não só quando correspondíamos às suas
graças, mas também quando nos afastávamos dEle, entregues à pior de todas as
ingratidões que é o pecado. O Senhor sempre nos mostrou a sua benevolência.
O amor reclama amor, e este demonstra-se por meio de
obras, pelo empenho diário em chegar ao trato íntimo com Deus e por identificar
a vontade própria com a dEle. A segunda leitura anima-nos a esta luta diária,
sabendo que estamos rodeados por uma tão grande nuvem de testemunhas: os
santos, que presenciam o nosso combate, e todos aqueles que temos ao nosso lado
e a quem tanto podemos ajudar com o nosso exemplo. Sacudindo todo o lastro que
nos detém e o pecado que nos envolve- continua a Leitura-, corramos com
perseverança pelo caminho que nos é proposto pondo os olhos no autor e
consumador da fé, Jesus. É nEle que cravamos os olhos, como o corredor que, uma
vez começada a corrida , não se deixa distrair por nada que lhe desvie a
atenção da mente; assim, afastaremos com decisão e energia toda e qualquer
ocasião de pecado, pois ainda não resististes até o sangue , combatendo contra
o pecado. Temos de chegar até esse ponto, se for preciso, mesmo que se trate
apenas de não cometer um simples pecado venial. É melhor morrer do que ofender
a Deus, por mais leve que seja a ofensa.
Temos que dizer sim ao Amor; temos que dar-lhe uma
resposta afirmativa nas mil pequenas situações diárias: ao negarmo-nos a nós
mesmos para servir os que convivem ou trabalham conosco, na mortificação
pequena, que nos ajuda a dominar a impaciência e a irritação; na pontualidade
em todos os nossos compromissos espirituais e humanos; no esforço com que
procuramos melhorar o recolhimento interior nos tempos dedicados à oração
mental; na aceitação alegre dos contratempos, quando a vontade de Deus não
confirma os nossos planos ou o nossos querer...Assim se forjam as pequenas
vitórias que Deus espera todos os dias daqueles que o amam. Mas também por amor
temos que dizer não muitas vezes: à curiosidade da vista; ao corpo que pede
mais conforto e menos sacrifício; ao desejo de encerrar o expediente antes da
hora... Muitas são as sugestões, as moções do Espírito Santo que nos convidam a
corresponder a esse Amor infinito com que Jesus nos ama.
O amor expressa-se na dor dos pecados, na contrição,
pois tantas vezes- sem o percebermos- dizemos não ao amor e sim aos nossos
caprichos... São ocasiões para fazermos um ato de dor mais profundo pelas
coisas em que não soubemos corresponder, e para desejarmos muito essa confissão
frequente na qual sempre encontramos a Misericórdia divina e o remédio para os
nossos males. “Quem não se arrepende de verdade não ama de verdade; é evidente
que, quanto mais estimamos um pessoa, tanto mais nos dói tê-la ofendido. É este
,pois, mais um dos efeitos do amor”, diz São Tomás de Aquino.
Nós, cristãos, devemos ser fogo que queime os
outros, como Jesus abrasou os seus discípulos. Ninguém que nos tenha conhecido
deverá permanecer indiferente; o nosso amor tem de ser fogo vivo que converta
em pontos de ignição, em outras fontes de amor e de apostolado, todos aqueles com
quem convivemos. O Espírito Santo soprará, através de nós, em muitos que
pareciam apagados, e do seu rescaldo de vida cristã sairão chamas que se
propagarão em ambientes que de outro modo teriam permanecidos frios e mortos.
Pouco importa que pareça que valemos pouco, que não
podemos fazer quase nada, que não sabemos, que nos falta formação. O Senhor só
quer contar totalmente com cada um. Não esqueçamos que uma faísca minúsculas
pode dar início a uma grande fogueira. Como é grato ao Senhor que lhe digamos
na intimidade da nossa alma que somos inteiramente dEle, que pode contar com o
pouco que somos!
O verdadeiro amor a Deus manifesta-se imediatamente
numa intensa atividade apostólica , em desejos de que muitos outros conheçam e
amem a Jesus Cristo. “Com a maravilhosa normalidade do divino, a alma
contemplativa expande-se em ímpetos de ação apostólica: Ardia-me o coração
dentro do peito, ateava-se o fogo na minha meditação. Que fogo é este, senão o
mesmo de que fala Cristo: Fogo vim trazer à terra e que hei de querer senão que
arda? Fogo de apostolado, que se robustece na oração, no trato íntimo com
Cristo.
É aí que se alimentam as ânsias apostólicas, Junto
do Sacrário, teremos luz e forças; falaremos a Jesus dos filhos, dos pais, dos
irmãos, dos amigos, dos colegas da Universidade ou do colégio, daquela pessoa
que acabamos de conhecer, das que encontraremos hoje por motivos profissionais
ou nos pequenos acasos da vida diária.
Nenhuma pessoa deverá partir de mãos vazias; a todas, de um modo ou e
outro, com a palavra, com o exemplo, com a oração, deveremos anunciar-lhes
Cristo que as procura, que as espera e que se serve de nós como instrumentos.
“Ainda ressoa do mundo aquele clamor divino: Vim
trazer fogo à terra, e que quero senão que arda?- E bem vês: quase tudo está
apagado...
Dizemos a Jesus que conte conosco, com as nossas
poucas forças e os nossos escassos talentos: aqui me tens porque me chamaste. E
pedimos a Santa Maria, que saibamos ser audazes nesta tarefa de dar a conhecer
o amor de Cristo.
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