Homilia de Mons. José Maria Pereira
Domingo de Ramos - Ano A
Com a celebração do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, a Igreja abre a Semana Santa.
No Evangelho ( Mt 27, 11 – 54 ) vemos que o cortejo organizou-se rapidamente. Jesus faz a sua
entrada em Jerusalém, como Messias, montado num burrinho, conforme havia sido
profetizado muitos séculos antes (Zac. 9,9). Jesus aceita a homenagem, e quando os fariseus,
que também conheciam as profecias, tentaram sufocar aquelas manifestações de fé e alegria,
o Senhor disse-lhes: “Eu vos digo, se eles se calarem, as pedras gritarão.” (Lc 19, 40).
Nossa celebração de hoje inicia-se com o Hosana! E culmina no crucifica-o! Mas este não é um
contrassenso; é, antes, o coração do mistério. O mistério que se quer proclamar é este: Jesus
se entregou voluntariamente a sua Paixão; não se sentiu esmagado por forças maiores do que
Ele (Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade: Jo 10,18); foi Ele que,
perscrutando a vontade do Pai, compreendeu que havia chegado a hora e a acolheu com a
obediência livre do filho e com infinito amor para os homens: “… sabendo Jesus que tinha
chegado a sua hora, hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que
estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).
Hoje Jesus quer também entrar triunfante na vida dos homens, sobre uma montaria humilde:
quer que demos testemunho d’Ele com a simplicidade do nosso trabalho bem feito, com a
nossa alegria, com a nossa serenidade, com a nossa sincera preocupação pelos outros. Quer
fazer-se presente em nós através das circunstâncias do viver humano.
Naquele cortejo triunfal, quando Jesus vê a cidade de Jerusalém, chora! Jesus vê como
Jerusalém se afunda no pecado, na ignorância e na cegueira. O Senhor vê como virão outros
dias que já não serão como estes, um dia de alegria e de salvação, mas de desgraça e ruína.
Poucos anos depois a cidade será arrasada. Jesus chora a impenitência de Jerusalém. Como
são eloquentes estas lágrimas de Cristo.
O Concílio Vaticano II, GS,nº 22, diz: De certo modo, o próprio Filho de Deus se uniu a cada
homem pela sua Encarnação. Trabalhou com mãos humanas, pensou com mente humana,
amou com coração de homem. Nascido de Maria Virgem, fez-se verdadeiramente um de nós,
igual a nós em tudo menos no pecado. Cordeiro inocente, mereceu-nos a vida derramando
livremente o seu sangue, e n’Ele o próprio Deus nos reconciliou consigo e entre nós mesmos e
nos arrancou da escravidão do demônio e do pecado, e assim cada um de nós pode dizer com
o Apóstolo: “Ele me amou e se entregou por mim (Gal. 2,20)”.
A história de cada homem é a história da contínua solicitude de Deus para com ele. Cada
homem é objeto da predileção do Senhor. Jesus tentou tudo com Jerusalém, e a cidade não
quis abrir as portas à misericórdia. É o profundo mistério da liberdade humana, que tem a
triste possibilidade de rejeitar a graça divina.
Como é que estamos correspondendo às inúmeras instâncias do Espírito Santo para que
sejamos santos no meio das nossas tarefas, no nosso ambiente? Quantas vezes em cada dia
dizemos sim a Deus e não ao egoísmo à preguiça, a tudo o que significa falta de amor, mesmo
em pormenores insignificantes?
A entrada triunfal de Jesus foi bastante efêmera para muitos. Os ramos verdes murcharam
rapidamente. O hosana entusiástico transformou-se, cinco dias mais tarde, num grito furioso:
Crucifica-o! Por que foi tão brusca a mudança, por que tanta inconsistência?
São Bernardo comenta: “Como eram diferentes umas vozes e outras! Fora, fora, crucifica-o e
bendito o que vem em nome do Senhor, Hosana nas alturas! Como são diferentes as vozes que
agora o aclamam Rei de Israel e dentro de poucos dias dirão: Não temos outro rei além de
César! Como são diferentes os ramos verdes e a Cruz, as flores e os espinhos! Àquele a quem
antes estendiam as próprias vestes, dali a pouco o despojam das suas e lançam a sorte sobres
elas.”
A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém pede-nos coerência e perseverança,
aprofundamento da nossa fidelidade, para que os nossos propósitos não sejam luz que brilha
momentaneamente e logo se apaga. Muito dentro do nosso coração, há profundos contrastes:
somos capazes do melhor e do pior. Se queremos ter em nós a vida divina, triunfar com Cristo,
temos de ser constantes e matar pela penitência o que nos afasta de Deus e nos impede de
acompanhar o Senhor até a Cruz.
A Igreja nos lembra que a entrada triunfal vai perpassar todos os passos da Paixão de Cristo.
Terminada a procissão mergulha-se no mistério da Paixão de Jesus Cristo: Em Is 50 4-7
descreve o Servo sofredor, na esperança da vitória final. Vemos nele a própria pessoa de Jesus
Cristo. Em Fl 2,6-11 temos a chave principal de todo o mistério deste Domingo de Ramos: Jesus
humilhou-se e por isso Deus o exaltou!
No texto de Mt 27, 11 – 54 ), somos chamados a contemplar a PAIXÃO e a MORTE de Jesus.
Que durante a Semana Santa possamos tirar muitos frutos da meditação da Paixão de Cristo.
Que em primeiro lugar tenhamos aversão ao pecado; possamos avivar o nosso amor e afastar
a tibieza!
Judas, Pedro, os discípulos negaram o Mestre! Porém, o Senhor não desiste de nós! Em tudo
Deus é mais forte! Deus nos convida a nos unir a Ele neste caminho rumo a Jerusalém, ainda
que parte nossa contenha um pouco de Judas, um pouco de Pedro e muito das sonolências
dos discípulos. Cristo nos leva assim mesmo a Jerusalém, na certeza de que Ele é fiel,
constante e “não dorme nem cochila”.
Estejamos dispostos a seguir com o Senhor a Jerusalém e morrer cada dia com Ele para que
seu amor seja tudo em todos!
Toda nossa vida é, em certo sentido, uma “semana santa” se a vivemos com coragem e fé, na
espera do “oitavo dia” que é o grande Domingo do repouso e da glória eterna.
Neste tempo, Jesus nos repete o convite que dirigiu a seus discípulos no Horto das Oliveiras:
“Ficai aqui e vigiai comigo” (Mt 26,38).
Mons. José Maria Pereira
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